A Colecção
“Nestas
fotografias, longe estamos do tempo das sefies, da massificação delirante de
Narciso. A objetiva provocava então algum temor e as expressões dos rostos
denunciam um flagrante desconfiança, de
renitente entrega, senão de culpa vaga de coisa nenhuma.”
Carlos Poças Falcão. Exposição Álbum de Família. 2016.
A Colecção de Fotografia da
Muralha (CFM) continua hoje a dar-nos uma paradoxal imagem de inesgotabilidade.
As coisas finitas têm um princípio e um fim, a Colecção tem apenas princípios.
Tem o vício dos recomeços que a perspectiva sempre distinta do nosso olhar dá.
É tempo apenas de
sistematizar o trabalho para poder seguir em frente, em novo princípio. Assim,
na próxima quarta-feira, pelas 18h00, na Assembleia de Guimarães serão apresentados
quatro livros que constituem os catálogos das quatro últimas exposições da CFM:
O Trabalho (2014), A Celebração (2015), Na Cidade (2016) e Álbum de Família
(2016). Estão por isso convidados. Todos!
Apesar de ser obviamente
suspeito não posso deixar de adjetivar como belos esses mesmos livros. A nossa
história fotográfica comum está lá, seccionada pelos temas escolhidos,
confortada pela estética própria das exposições a que reportam, enriquecida
pelo contributo de muitos que se associaram a um particular olhar sobre as
imagens, sobre os factos e os modos que elas sustentam, e que sobre elas
escreveram.
Uma excelente oportunidade
começar a fazer da CFM também um ótimo presente de Natal.
A CFM tem uma história longa.
Uma história que se confunde com o nascimento da Muralha, Associação de
Guimarães para a defesa do Património, em 1981. É esse o ano em que surge a
Comissão Instaladora da associação. É esse o ano em que a Muralha adquire parte
do espólio de placas secas (negativos fotográficos em placas de vidro, também
designado por clichês) originárias da Foto-Electrica Moderna, fundada em 1910,
por Domingos Alves Machado e que domina o panorama da fotografia comercial em
Guimarães na primeira metade do século XX.
As placas fotográficas
compradas exigiram muito das primeiras direções da Muralha. Era necessário a
sua preservação que foi sendo feita com inúmeros constrangimentos técnicos e
financeiros. Não existiam então os meios convenientes para tratar e
acondicionar o valioso espólio. Fernando Conceição, presidente da Muralha
(2009-2010), começa a efetuar um exaustivo estudo da Colecção e toma
diligências para que os clichês de vidro fiquem à guarda do Arquivo Municipal
de Alfredo Pimenta, onde hoje estão. No projeto Reiimaginar Guimarães
(2011-2013), integrado na Capital Europeia da Cultura (CEC, 2012) e coordenado
por Eduardo Brito, digitalizam-se e estudam-se todas as imagens da Colecção,
realizando-se assim, de forma notável, o propósito inicial da Muralha. O
projeto da CFM aproveitou a CEC e manteve-se vivo para além dela.
A Muralha não se contentou
contudo em ter um espólio fotográfico bem tratado e organizado. Esse era um fim
e a Muralha vive de princípios. Importava por isso fazê-la chegar aos
vimaranenses, interagir com eles, descobrir quem são os netos e os bisnetos
daquelas pessoas que posaram para a lente de Domingos Alves Machado nas
primeiras décadas do século XX, e falar com eles. E nessa estratégia surge o
GuimarãeShopping que acolheu três exposições integradas nas Festas Gualterianas
(com o apoio da Câmara Municipal e da Oficina). Um local de apressada passagem
que trava quem lá vai para um momento de pausa, para um princípio. E nessa
estratégia surge o Museu de Alberto Sampaio que guarda a história central da
cidade e tem na Colecção mais um dos seus estimáveis braços que nos afagam a
memória. O nosso princípio enquanto comunidade, enquanto nação.
Importou ainda estudar as
imagens e escrever sobre elas. Importou ainda olhar as imagens e deixar escrito
o que elas despertaram. A Colecção pretendeu assim ir além das imagens e nos
quatro livros encontram-se alguns textos de dezanove autores que enriqueceram
as imagens com o seu contributo.
A Colecção não caminhou
sozinha. Muitas pessoas e instituições permitiram que a CFM chegasse ao patamar
onde se encontra. O Cineclube de Guimarães teve e tem um papel fundamental em
todo o processo. Em particular: a Alexandra Xavier, o Miguel Oliveira e o Nuno
Vieira. A sua criatividade tornou possível esse eterno princípio em que a
Colecção se sente, esquizofrenicamente, confortável.
Comentários