CALMA!
Saí do estádio no domingo com uma sensação de revolta a pensar – estúpido como sou – que se ia falar do inadmissível comportamento do jogador do FCP. Quando começo a ver televisão rapidamente percebi que a realidade era, afinal, outra.
Admito, sem problema, que a minha estupidez é potenciada quando vejo jogar o meu clube. Isto porque desde pequeno sou vitoriano e tenho mais de cinquenta anos de sofrimento e devoção a um clube que não se deixa engolir pelo sistema criado (propositadamente) pelo país e quem, no futebol, com ele lucra. E que sofre por isso todos os anos, pois quebrar esta paixão é a missão daqueles que não têm orgulho em ser pelo clube da terra onde nasceram, ou onde vivem. A sensação que tive ao sair do estádio foi a mesma do Miguel Salazar que brilhantemente a descreveu num post que escreveu.
O day after foi ainda pior que o domingo ampliado por indivíduos que nos odeiam ou que pura e simplesmente, à imagem de Pilatos, gostam de lavar as suas mãos sem querer saber do que efetivamente se passou, ou que querem brilhar dizendo generalidades que a maior parte das pessoas, hipocritamente, gosta de engolir para se sentirem moralmente superiores, nem que seja à custa do rebaixamento e ódio a outros: nós. Num ódio exatamente igual ao dos que alguns - amplamente minoritários - entre nós exibiram. Mas como odiar-nos não é racismo, está tudo bem! Aliás, tive ontem a confirmação disso a partir de pessoas que estavam na bancada presidencial, em que elementos da comitiva portista estavam estupefactos com o comportamento do seu jogador, e que o censuraram. Quem esteve no campo viu a reação de jogadores do Porto que, para não ferir a hipocrisia do politicamente correto estavam a achar problemático o comportamento do seu colega de equipa. E problemático é propositadamente um eufemismo pois aqui em Guimarães vimos, entre outras coisas, o jogador do Porto agredir sem razão nenhuma um jogador do Nacional. Alinho assim na onda do politicamente correto. As primeiras declarações do Sérgio Conceição vão nesse sentido, as segundas já não. Isto porque o FCP e os seus dirigentes não são estúpidos – e não são mesmo - e perceberam que, com o que se passou em Guimarães – ou melhor com aquilo que se construiu sobre o que passou em Guimarães - vão ganhar o campeonato. Disso não tenho a mais pequena dúvida.
Disse para mim, ontem, que ia tentar desligar deste assunto. Mas não o consegui. Estive no campo e ouvi, efetivamente, alguns urros tão pouco generalizados que tive dificuldade em localizá-los, pois se o tivesse localizado seria o primeiro, como muitos, a deplorá-los e a mandá-los calar. Existiram, mas não na dimensão que querem fazer nem nas gravações que certamente ainda não tiveram tempo de manipular, mas vão fazê-lo. Assobiei, confesso, o jogador do Porto de cada vez que ele tocava na bola depois do comportamento provocatório que ele teve connosco apesar da forma correta como sempre o tratámos. Aliás, há um ano, aquando da sua lesão enquanto jogador do Porto aqui em Guimarães, ele teve uma salva de palmas contínua e sonora enquanto atravessava o campo coxeando. Eu fui um dos que o aplaudi, enquanto no domingo o assobiei. É pena que não mostrem isso ... mas adiante. Não posso deixar de relevar o comportamento inteligente – e tudo menos hipócrita – que amigos como o Esser Jorge, o Orlando Coutinho e o Francisco Brito tiveram, nas redes sociais, ao perceberem antes de todos nós a dimensão da coisa. São, disso não tenho dúvidas, tão vitorianos quanto eu. Mas seguramente menos estúpidos.
E na tarde de ontem estava quase a desligar – a muito custo - quando tive um telefonema de uma das minhas filhas, atualmente na República Checa que me arrasou. As minhas filhas foram criadas (disso não tenho dúvidas, apesar de ser estúpido) em valores democráticos e de respeito pelos outros. A Luísa é, por uma questão de sensibilidade, das minhas filhas, aquela que mais fica ainda mais arrasada pela injustiça e pela desumanidade que o racismo encerra. Sem qualquer grau de menosprezo para as outras duas vitorianas e pessoas íntegras que são. Mas elas sabem do que falo. A milhares de quilómetros de Guimarães ela foi lendo coisas incríveis sobre os adeptos do seu clube. Notei-lhe, apesar do esforço que ela fazia, que ela estava a conter as lágrimas para não me incomodar. Ontem foi a segunda vez, em 55 anos de vida, que tomei um calmante para conseguir adormecer. Pelo telefonema dela e pelos relatos de ódio que os adeptos do Vitória e os vimaranenses em geral estão a sofrer precisamente agora.
Como sócio 1402 do VSC presto a minha inteira solidariedade à direção do clube. Não os vou criticar em nada pois sei que os próximos dias são decisivos. Vão fazer de nós um (hipócrita) exemplo, pois não somos nem o Benfica, nem o Porto, nem o Sporting. A partir de hoje vamos ser mais prejudicados mais do que o que temos sido, vai haver sobre a equipa uma pressão insuportável, vão-nos humilhar em cada estádio por onde passarmos, e se nos conseguirem descer de divisão então será um dia perfeito para a hipocrisia reinante, para os políticos oportunistas, para os nóveis aspirantes, para os comentadores assalariados. Mas nós temos que aguentar, calados. E não interessa argumentar sobre o que a claque do Porto fez nesse jogo aos adeptos que estavam na minha bancada. Ninguém quer ouvir, não vale a pena. No entanto quem arremessou cadeiras tem que ser punido severamente e exemplarmente. Como sócio do Vitória já não os suporto, apesar de os clubes grandes fazerem muito pior do que isso. Não interessa! E por amor de Deus não partilhem vídeos de energúmenos a defenderem-nos! Estúpidos, racistas na boca de muitos ... mas tanto não!
O jogador do FCP está, neste momento, entre o santo e o divino. É possível que o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro, sempre tão inteligentes naquilo que é a sua popularidade pública, o elevem rapidamente à categoria de divino. Vão visitá-lo certamente. Então o Marcelo não irá resistir. Teremos que aguentar isso calados. E, se tivermos estômago para isso- eu creio que não o terei-, aplaudir até hipocritamente. E por amor de Deus: quando ninguém nos ouve o melhor é fazermo-nos de mortos. Já aguentámos muita coisa. Pede-nos agora o clube e a paixão que por ele temos que aguentemos este fardo injusto e hipócrita. Temos de o fazer a bem do clube que tanto amamos e que, se desaparecesse, não substituiríamos por mais nenhum.
Queria agradecer ao meus amigos de Braga, do Porto, do Benfica, do Sporting, que, apesar das nossas rivalidades, não entraram na onda. Respeito-vos – ainda mais – por isso. A gente vai aguentar. Calados.
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