Velhos como eu
“Claro que os
velhos tinham que passar à frente. Tinham menos tempo. Estavam quase mortos.”
Ian McEwan. Solar. 2010.
Quando é que se é velho?
Esta será uma das perguntas
mais complicadas de se obter uma resposta interior, individual, quanto mais
para se achar uma resposta genérica, consensual.
O traço cronológico da
velhice depende de quem o pensa. Quando eu tinha doze anos achava que os de
trinta eram velhos, quando eu tinha dezoito anos tracei, magnânimo, nos
quarenta a fronteira para se ser velho, hoje, com cinquenta e um, acho que a
velhice deve ser lá para os setenta. No entanto os meus amigos de setenta acham
que, perigosamente para eles, a idade avançada está nos oitenta, e os meus
amigos de oitenta acham que é aos noventa que a vetustez se atinge. Questionei
com curiosidade, e sobre este assunto, um querido amigo que fará noventa anos
brevemente, velho? disse-me ele ... é lá para os cento e cinquenta anos. Uma
idade bíblica portanto. Assim vai ser difícil entendermo-nos.
Já que a palavra velho é
dura, é má, é viciosa, é desmoralizante, proponho que lhe tracemos a fronteira bem
cedo. Aos trinta vá lá, como eu o fazia quando tinha doze. Assim dá mais tempo
para nos habituarmos ao facto, para convivermos com o facto. À imagem dos
grandes chefes militares há que atacar a velhice quando ela menos espera e
ficar quieto quando ela presume o nosso arremedo.
Quanto mais rapidamente
sairmos do armário cronológico melhor. É-se velho aos trinta e ponto final.
Assim, em vez de eu me questionar se já sou velho agora, assumo os meus jovens
vinte e um ano de velhice e isso dá-me uma madureza jovem que não me desagrada.
Caminho assim, tranquilamente, para ter tantos anos de velho como de não velho.
Apenas isso.
O corpo é que – às vezes -
incomoda. Vá lá saber-se porquê mas ele degrada-se como um carro ou uma
televisão. Engasga-se ao arrancar, turva-se na imagem, descontrola-se no som. E
isso é tanto mais verdade quanto mais nós, antes de sermos velhos, o testamos.
Desde os dezoito até ser velho (aos trinta) dei cabo dele. Estiquei-o,
enrolei-o, maltratei-o, para ver se ele me dava um sinal de cansaço. Como ele
não deu continuei a estica-lo, a maltrata-lo, a enrola-lo. Não sei o que
esperava então. Estaria eu porventura à espera de o devolver se ele não respondesse
devidamente a todos os excessos cometidos? Desculpe lá mas este corpo não é
impermeável como o anúncio dizia, pode-mo trocar por favor, sim por aquele de
cor mais garrida para condizer com a primavera.
Hoje procuro alisar-lho,
amaciar-lho, tonificar-lho com recurso a aulas de ginástica. E ao verificar que
as minhas colegas de aulas estão a fazer o mesmo antes de serem velhas,
espanto-me com elas, com a sua dedicação e ingenuidade. Já que o corpo é mesmo
para ser enrolado e maltratado na altura certa, pois se ninguém dá mais por um
carro velho só por ele ter poucos quilómetros. O indicado será sempre tirá-lo
da garagem e fazer tanta estrada quanto a possível, com derrapagens e batidas a
preceito. Vale o mesmo passado uns anos.
Mas mesmo com as amolgadelas
do tempo, o corpo resiste e adapta-se como um camaleão às circunstâncias.
Disfarça-se e exige o tempo de uma criança a arranjar-se. A criança porque o
não quer fazer, este agora porque exige tempo para o disfarçar. E os corpos
resistem e são belos à sua maneira e no seu tempo. Nos homens é apenas
imperdoável ser gordo e careca ao mesmo tempo, uma das duas fatalidades aguenta-se.
Enquanto o cabelo não me cair deixo-me estar assim, ponderável. E as mulheres
continuam bonitas como sempre o foram. Precisam apenas de tempo como Mrs. Robinson do filme The Graduate (1967) de Mike Nichols ... e da música daqueles dois.
Na altura Anne Bancroft tinha apenas 16 anos na minha atual escala da velhice.
Uma teenager portanto.
Na verdade nunca se é velho,
está-se (ou não) velho. E entre o ser e o estar a diferença é enorme! No fundo
só quando morremos é que deixamos de estar velhos e, bem vistas as coisas, não será
assim tão grande a maçada.
Publicado in O Comércio de Guimarães, 16.03.16
Fotos (de cima para baixo): Samuel Beckett, John Ford e John Wayne, M. Yourcenar e Dustin Hoffman em The Graduate
Fotos (de cima para baixo): Samuel Beckett, John Ford e John Wayne, M. Yourcenar e Dustin Hoffman em The Graduate
Comentários