Na cidade

“O castelo localiza-se na parte da cidade que se chama vila velha. Quando a sombra do entardecer, apagando os detalhes, engrandece as proporções das massas, ele pode ainda mostrar força, grandeza (...)”
Olivier Marson. Le Tour du Monde 1861. (Texto de exposição)

Na Cidade é uma exposição de fotografia antiga da Colecção de Fotografia da Muralha (CFM) a ser inaugurada quinta-feira, dia 12 de maio, pelas 18h00, na extensão do Museu de Alberto Sampaio, na Praça de S. Tiago. A exposição estará patente naquele nobre espaço até 10 de julho, a entrada é livre e todos estão naturalmente convidados (senão mesmo obrigados) a visitá-la.
Desta vez a CFM vai para o Museu de Alberto Sampaio concretizando assim um namoro firme entre a estruturada Colecção de imagens de Guimarães dos inícios do séc. XX e um espaço de memória e interpretação que o Museu de Alberto Sampaio tem exemplarmente sido, desde 1931, em relação à história de Guimarães.
Esta é uma exposição sobre a mudança que o século XX trouxe a uma cidade que até então apresentava preocupantes traços de decrepitude. As imagens, organizadas em núcleos urbanos específicos, dão nota dessa preocupação de renovação numa nova ordem urbana sem esquecer a preservação do património histórico que distingue Guimarães.
A exposição será assim um olhar sobre a cidade do século XX que quer crescer e, ao mesmo tempo, reencontrar-se com o seu passado, com a sua importância histórica e, porque não, com a sua assumida vaidade.

Na Casa da Memória é visitável também a sua exposição permanente. Um conjunto de propostas particulares de gente com imenso talento e tão diversa que a harmonia caótica nela revelada não deixa de ser surpreendente.




A cidade nunca teve tanta gente a andar a pé como hoje, a senti-la pelo olhar e através dos passos. Acho que isso realiza a própria cidade e torna-a mais bela ainda. São centenas – diria assim para não me excitar com a aritmética – aquelas que todos os dias a passeiam, a correm, a calcam gentilmente. Mulheres sobretudo, matizando com as suas roupas coloridas a severidade secular do granito.

A cidade tem o tamanho ótimo para o trânsito não ser um problema. Mas é, de uma forma escusada e cínica. Toda ela está armadilhada para enervar, além dos automobilistas que não respeitam ninguém, que só vão ali e vêm já. O sinal obrigatório nos Palheiros para quem vem do Carmo e quer ir para o centro é uma maçada, sempre foi. Obriga-nos sempre a “uma volta ao bilhar grande” maximizada hoje pelas obras na ligação Universidade-Quintã que nos atira para a circular. A solução de trânsito na ligação da Alameda com o Campo da Feira é um falhanço desde o início e quanto mais a nossa cidade é visitada mais aquela passadeira é um conta-gotas interminável de gente. Quem trata destas coisas na cidade não gosta dos carros, mas tem particular simpatia pelas camiões de carga ou de passageiros que estacionam impunemente nas ruas largas da cidade, como na Rua Prof. Egas Moniz, e constituem admiráveis biombos de lata para que os amigos do alheio exerçam, com tranquilidade, as suas atividades noturnas.



Não é possível escolher-se a cidade onde se nasce. Não depende de nós, é um sortilégio do tempo e das circunstâncias. Vive-se muitas vezes onde se nasce pela comodidade do conhecido, fica-se por isso ali no sítio onde nascemos, como uma pedra esquecida. E se eu tivesse nascido em Torres Vedras, ou em Gondomar, ou em Rio Tinto, ou na Amadora? Aguentaria essa ausência de pertença? Suportaria o vazio arquitectónico daquelas ruas e daquelas praças? Provavelmente não. Teria de preencher essa ausência mesmo não sabendo que se tratava efetivamente de uma ausência. Em vão, como quando se procurar colmatar a ausência das pessoas queridas que desaparecem. Enquanto aqui e agora, nesta cidade minha e nossa, tudo tem o sentido próprio da história e a inevitável tranquilidade de um sortilégio bom.



Ao Pedro pela falta que faz. Ao António pela falta que sente.

Publicado in O Comércio de Guimarães 11.05.16

Fotos de Paulo Pacheco

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