A direito
“Até nisso o
PPD/PSD ficará igual a si próprio. Com inesgotável energia. Que umas vezes o
debilita e consome, e noutras o empolga e redime. Alguns dirão que é isso o seu
reformismo (...) Eu prefiro chamar-lhe a sua incessante adolescência.”
Marcelo Rebelo de Sousa. A revolução e o nascimento do PPD. Volume 2.
2000.
A justiça portuguesa é um
extraordinário caso de constância. Os arguidos são sempre os mesmos durante
muitos anos e os mediáticos advogados que os defendem também. Se me parece
lógico que o (presumível) tratante se perpetue no limbo enquanto pode, já não
me parece nada urbano que só a uma dúzia de advogados seja dada a primazia do
mediatismo pelo caso. E como mais vale cair em graça do que ser engraçado eles
repetem-se como se o país tivesse a dimensão microscópica de um Liechtenstein.
Mesmo assim, diga-se, bem menos preocupante do que aqueles que já de há muito
sequestram os negócios do Estado, quando não o próprio Estado.
À parte disso a justiça
portuguesa vive uma boa fase. Os juízes têm dado manifestos exemplos de
dedicação e coragem e a atual ministra alia a competência a uma desarmante
simplicidade que fica muito bem ao exercício de um cargo político.
Malgrado as desgraças que se
encontram atrás das boas histórias, ainda temos boas histórias ao nível do
direito penal. Desde logo a carteirista Quina. Apanhada recentemente na Queima
das Fitas do Porto, foi libertada com pena suspensa por uma juíza que com o bom
senso que qualquer um de nós teria se condoeu de uma mulher de 85 anos, apesar
do cadastro recheado da senhora. Como cavalo velho não toma andadura foi
detida, uma vez mais, no último sábado, em Amarante. Suponho que as pessoas lhe
vão conhecendo a cara e os gestos e quanto mais é conhecida menos
possibilidades tem de envelhecer da forma ativa como o pretende fazer. O
empresário italiano que assaltou doze bancos para pagar dívidas ao fisco ou o
militar da GNR que justificou a elevada quantidade de dinheiro em notas que
possuía como um tique colecionista compõem muito bem a nossa imaginação
criminal e aliviam a gravidade das histórias. Entretêm.
E a vida política está também
muito entretida. Já percebemos que o Costa tem arte para amparar a geringonça,
é hábil a apertar os parafusos soltos da coisa, ora este aqui, agora aquele acolá,
em perigo constante como um equilibrista circense. Fica a convicção que ele
resume o cargo de primeiro-ministro ao de primeiro-mecânico. Sem desprimor para
os mecânicos (e as mecânicas? diria o Bloco) precisaríamos de um primeiro mas
ministro mesmo.
Nos últimos anos vimo-nos
frequentemente a um espelho que não era o nosso e isso fez-nos mal, azedou-nos
como o ar ao vinho que avinagra. Costa no seu jeito de nada resolver, alivia. O
líder do PSD encarrega-se de fazer o resto e incensar alguma inépcia governativa
com as suas convicções ideológicas. Faz o papel de um defesa direito muito
encostadinho à linha lateral à procura de um extremo esquerdo imaginário que
não chega. E a equipa sofre golos ao centro pelo seu mau posicionamento.
A arte da política é a arte do
bom senso, a que a inteligência e a seriedade (como as tem o Presidente da
República) dão o tão procurado reconhecimento. As encomendadas campanhas podem
vender um político mas não o fazem. Por isso muito me espanto hoje com a
necessidade dos atores políticos se encostarem tão declaradamente às linhas
laterais da vida política, quando o povo está ao meio. No livro que cito,
Marcelo Rebelo de Sousa mostra-nos, com profunda habilidade e capacidade
analítica, o corpo ideológico de um partido (o PPD) que nasce sem família
política. A recusa do totalitarismo, o predomínio do interesse público sobre o
interesse privado, a igualdade de oportunidades, a economia mais liberta do Estado
mas obedecendo ao superior desígnio da justiça social, a estabilidade política,
são as marcas fundamentais que os percursores do PPD, em particular Sá
Carneiro, deixaram ao partido que fundaram. E não é por já terem passado
quarenta anos que essas premissas perderam validade. Continuam necessárias pois
estão ainda longe de serem atingidas. A orfandade política do PPD permitiu-lhe
não ser refém de ideologias que tendiam a fechar-se em si mesmas e por isso o
partido sempre se abriu a gente diversa. Chamaram-lhe assim, em tom de gozo, o albergue espanhol. Espero que por estes
dias não lhe caia o adjetivo.
Fotos (de cima para baixo): 12 angry men. Sidney Lumet (1957) / José Coelho. Agência Lusa. Visita de MRS (março de 2016) / Carlos Lopes. Sá Carneiro na Fundação Gulbenkian (abril de 1976) / José Coelho. Agência Lusa. Visita de MRS (março de 2016)
Publicado in O Comércio de Guimarães (08.06.16)
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