Álbum de Família

“Mas a  fotografia é um enquadramento, as famílias arranjavam-se para o retrato, traziam para a encenação os fios e correntes de ouro, as rendas delicadas, os melhores sapatos, a mais estudada majestade do corpo. As pessoas sabiam e não sabiam que o retrato é um artifício.”
Carlos Poças Falcão in Álbum de Família. 2016.








Álbum de Família é uma exposição de imagens, da Colecção de Fotografia da Muralha (CFM), patente no piso 1 do Guimaraeshopping até 7 de outubro e que valerá, com toda a certeza, a sua visita.
ÁLBUM DE FAMÍLIA é não só uma exposição sobre os retratos de família antigos mas também sobre a palavra, sobre os textos que as imagens sugerem e cuja autoria é de Catarina Pereira, Maria da Luz Correia, Maria João Areias, António Mota Prego, Carlos Guimarães, Carlos Poças Falcão e de mim próprio. A palavra mais especulativa, mais poética, ou mais descritiva convive com a riqueza das imagens, procurando, em vão, domar  a diversidade caleidoscópica da CFM. Mas a qualidade e coragem da tentativa é refrescante e aporta à Colecção diferentes perspectivas.
Esta terceira exposição temporária no Guimaraeshopping (GS) não está, por natureza, tão presa ao facto histórico, à datação (apesar do trabalho realizado), mas ao desafio que a imagem nos sugere. A quem escreveu, a quem a visita.
As pessoas das imagens são os nossos pais, são os nossos avós, são os nossos bisavós captados pela lente de Domingos Alves Machado. São os nossos antepassados que nos olham e nos questionam se não vulgarizamos em demasia a nossa imagem fotografada. Se a nossa imagem pessoal não vale hoje o mesmo que o anúncio ao qual votamos algum enfadado desprezo. Se toda a encenação a que as famílias acediam não faria também hoje um refrescante sentido? Se não faria sentido aprumarmo-nos também hoje, sentarmo-nos, reunirmo-nos, fazermos a nossa melhor pose para uma fotografia de família. Para guardarmos numa imagem fotográfica o nosso sentimento, a nossa pertença, ou quando muito a nossa circunstância? A pausa faz-nos falta. A encenação revelada nas imagens de ÁLBUM DE FAMÍLIA certamente o fará.

As imagens selecionadas para ÁLBUM DE FAMÍLIA levam-nos ao tempos em que a família peregrinava, aprumada, ao estudo fotográfico para que o fotógrafo encenasse uma composição de pessoas sobre fundos neutros ou cenográficos permitindo o registo de um determinado momento na vida daquelas pessoas. A fotografia democratiza esse processo de memória, outrora exclusivo da pintura.
Em ÁLBUM DE FAMÍLIA encontramos também um conjunto de imagens de um processo menos comum noutras coleções e que consistia na ida do fotógrafo a casa das pessoas. As famílias são retratadas no seu espaço próprio - com particular destaque para o espaço exterior das casas - ou de locais de lazer, pois só assim se obtinha a luz necessária à fotografia. Das famílias mais abastadas às mais modestas, de grupos de famílias de composição tradicional, de outros grupos familiares que trazem para a cena da fotografia uma imagem de um familiar ausente, de namorados, de noivos, de irmãos e irmãs, todas as fotografias revelam a necessidade de construção de uma narrativa sobre a vida, de uma memória materializada imagem.

Há na Muralha, no Cineclube de Guimarães, a noção de algum perigo na sobreexposição da coleção. Apesar da abordagem distinta que ÁLBUM DE FAMÌLIA explora, temos a noção desse facto. No entanto entendemos, ainda, estar a fazer um caminho de afirmação profunda da CFM, na sua divulgação, no seu estudo, no seu tratamento, no seu alargamento e na valiosa contribuição exterior, como acontece nesta exposição que contou, uma vez mais, com a criatividade de Alexandra xavier, Miguel Oliveira e Nuno Vieira. Por outro lado não há afirmação duradoura da CFM se ela não estiver presente e perto das pessoas como o está no GS pelo extraordinário profissionalismo de quem nele trabalha. A CFM ambiciona assim o lado pedagógico que o ato cultural pode e deve ter, alargando públicos, captando atenções, forçando pausas e sobretudo, através das magníficas imagens que possui, ajudar a quebrar preconceitos que se constituem como muros entre as pessoas e a cultura. Faltar-nos-á talvez em parcimónia o que nos sobra em ambição e no propósito que temos em construir para a CFM um trajeto estruturado, sedimentado e, sobretudo, conhecido e estimado pelas pessoas

Para chegarmos até aqui muito trabalho foi feito por nós e por muita gente que nos antecedeu na CFM, desde a sua compra, à sua digitalização e estudo. O apoio do GS, da Oficina e da Câmara Municipal tem sido muito importante. Compraz-nos chegar aqui, saber e reconhecer o que foi feito, mas acima de tudo, ter o imenso prazer de (ainda) não lhe reconhecer o limite.

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