O estranho poder das mulheres
“As mulheres,
pensava ele, eram mais intensas.”
Valter Hugo Mãe. O filho de mil homens. 2011.
O domínio dos homens sobre as
mulheres vem de longe. Primeiro pela força e depois pela palavra divina. Como –
ao contrário do que porventura julgarão – levo estas crónicas muito a sério, lá
fui eu ler o livro Deuterónimo que regista por escrito, entre muitas outras
coisas, as determinações que Moisés, em nome de Deus, enuncia ao povo
escolhido. Vêm daí os Dez Mandamentos e outras leis que procuravam estabelecer
o que estava certo e o que não estava, no fundo um manual de instruções de como
proceder quando algo era errado. O Deuterónimo faz parte da Torá, o livro
sagrado hebraico, e também do nosso Antigo Testamento. O Deus judaico abre-me
sempre o apetite literário por ser tão mau, tão vingativo, tão cruel. Não sem
surpresa reparei que apesar da antiguidade do livro (séc. VII a.c.) as
determinações são, relativamente, democráticas. Se uma mulher casada trai o
marido há que apedrejá-la até à morte, mas o traidor deverá merecer, segundo o
livro, a mesma sorte. Mas “se algum homem no campo achar uma moça desposada, e
o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá só o homem”. O que nos chega
desses comportamentos violentos e arcaicos está adulterado e as notícias
dão-nos conta de que só a mulher morre hoje por lapidação. Talvez isso se deva
à interpretação parcial de líderes religiosos. Homens, claro.
Dia após dia, do outro lado
do Atlântico, surgem notícias sobre assédio sexual. A Caixa de Pandora abriu-se
e agora vai ser o diabo para a fechar novamente. E, apesar de enojados, ninguém
fica particularmente surpreendido pelas notícias. A coisa funciona mesmo assim
na cabeça de muitos homens. É a força do hábito, alegam. Em sociedades menos
sofisticadas basta uma saia mais curta ou o visionamento dos cabelos longos
para justificar o avanço, em sociedades mais sofisticadas a âncora desses comportamentos
é a relação de poder. E apenas isso basta para que a possibilidade passe a
inevitabilidade.
O bicho homem encontra-se
assim, atualmente, em baixa. Nestes momentos difíceis as mulheres atacam com
tudo. De uma vezes com inteira justiça – como no caso do assédio - de outras
não. Uma das coisas que mais me irrita na conversa com as mulheres é a conversa
sobre a corrupção. Não há mulher que não mo lembre: são os homens sempre os
corruptos, é raro ver uma mulher nessas andanças dizem-me elas.
Mas até neste particular
domínio a Operação Marquês fez maravilhas. É só ouvir as escutas para perceber
o assédio constante de que o pobre do Sócrates foi vítima: por mulheres, claro
está. Ou é por estar depenadinha, ou é pró casaco do menino, ou é o seguro do
carro, ou a prestação da casa, ou as obras no apartamento, é que não deixam o
homem sossegado, ou é mais isto, ou mais aquilo, sempre pedidos urgentes,
sempre em cima do prazo, ou é a casa de três milhões de euros que, coitado, o
Sócrates considerou “um buraco” só para a sacudir. E que recebe ele em troca?
Um brutal: “buraco és tu”, mas com a delicadeza que até o tédio confia às
mulheres.
No fundo a história bíblica
de Adão e Eva perdura até hoje. Ó Adão e coisa e tal e olha que linda
maçãzinha, e o palerma do Adão lá vai colher a maçã só para não a aturar. E
depois sofre o castigo, ou vai preso e o chamam de corrupto. Pudera!
O cerco está assim montado. As
mulheres estão atentas e começam a conquistar a opinião pública. Outras, como a
minha, conquistam ainda, dia a dia, o meu pobre armário. As minhas camisas,
calças e sapatos, têm cada vez menos espaço. Comprimem-se e sufocam. Gritam por
ajuda perante a minha incapacidade em as defender, sindicalmente. Não é por
andarmos sempre com a mesma roupa que não gostamos de ter roupa, entenda-se.
Nós até gostamos de variar de indumentária só que já não encontramos as nossas
coisas, só isso. E se temos, por pura e racional matemática, direito a 20% dos
armários de casa já nos contentaríamos com 10%. Mas mesmo com as mais aturadas
negociações o armário masculino encolhe. O nosso espaço funciona no tempo como
o IVA, só que ao contrário.
Agarro-me ao comando da
televisão como um cavaleiro à sua espada. Firmemente. Isto vocês não me tiram,
vocifero. Resta-me saber apenas até quando.
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