Homens bonitos

“(...) e essa degradação viria muito depressa, bastariam uns dez anos, ou até talvez menos, para que ela se tornasse visível e me começassem a classificar como ainda novo (...)”.”
Michel Houllebecq. Submissão. 2015.

Os homens não se querem bonitos: esse é um dos aforismos mais curiosos que circula, há muito tempo, no meio masculino. Não sei o que as mulheres acham, mas nós sentimo-nos, desde sempre, confortáveis em não ser (propriamente) bonitos. Não digo que ser um homem feio é bom, não é, importa apenas não ser bonitinho nem nos preocuparmos com a aparência. Isso é para elas.
O nosso poder de sedução está (penso eu) na retórica e não nos bíceps. Até porque a conquista é bem mais estimulante que o desmaio.




No cinema isso é tão claro e assumido que bons atores como o DiCaprio têm algumas dificuldades para serem levados a sério. Por outro lado o Jack Nicholson, o DeNiro, o Dépardieu, o baixinho do Bogart, estão no panteão. Já com as atrizes a arte e a beleza misturam-se melhor. Queremos as duas tal como os detergentes que combinam a limpeza com a fragrância ou as pastas dentífricas em que o branqueamento dos dentes não descura o efeito anticárie. Assim fiquei habituado a conviver prazenteiramente com uma Juliette Binoche, uma Natassja Kinski ou a Diane Lane, e o mesmo se passa agora com a Alicia Vikander ou a Marion Cottilard que atingem, de forma sublime, o patamar dos dois em um.
Uma mulher bonita entra sempre a ganhar. De um homem bonito desconfia-se ... há qualquer coisa ali que não bate certo.




Em bom rigor um homem bonito é como uma banda pop com sucesso. Toda a gente gosta dela mas ninguém a leva a sério. Pode ter-se achado o máximo aos Duran Duran mas o que deixou raízes, até hoje, foram os Talking Heads. Daqui a uns anos quando o Justin Bieber for careca e barrigudo ainda haverá gente a ouvir, com desvelo, os Cigarettes After Sex e ninguém saberá quem foi o Justin. E o Kanye deixou de ter interesse quando ficou com a mania de que era bonito, enquanto o Kiwanuka, ou o fresquíssimo Daniel Caesar, já lá vão à frente, bem à frente.




Quando se é um rapaz novo descuram-se as mariquices e o corpo masculino passa por provações militares no maltrato que se lhe dá. Eu segui isso à risca. Os rapazes encaram o seu corpo como um veículo e como carro que é necessitamos de o levar ao limite, de o testar, de o fazer derrapar, de o acelerar, de o travar, de fazer um peões com ele. Se ele aguentar ótimo, é bom sinal, podemos ficar com ele, tem a resiliência necessária. E todos esses indispensáveis testes deixam marcas que eliminam progressivamente os recalcitrantes laivos de beleza: a cicatriz, a barriguinha, o dente partido são testemunhos de uma masculinidade assumida.



Mas o castigo apanha-nos quando menos se espera. Apanha-nos com tempo e com o tempo. Efetivamente quando se fica mais velho já não vale a pena fazer esforço para não ficar bonito. O tempo faz esse trabalho por nós e, valha-nos Deus, agora é que já não era nada necessário...
As malditas fotografias são os raios-X da beleza perdida da qual tanto se desdenhou. Não sei o que se passa convosco com as fotografias, eu dispensava-as pois elas transmitem-me uma imagem muito diferente daquela que eu tenho de mim. Entre o meu espelho e os pixéis de uma câmara digital há uma distância abissal. Olho-me ao espelho e tenho uma imagem (vá lá...) razoável de mim mesmo, vou para a fotografia e preciso de tirar seiscentas fotos para encontrar uma menos má. A fotografia é assim, pessoalmente, um exercício um pouco deprimente. Devolve-me sempre uma imagem de mim muito pior do que aquela que julgava que tinha. Não sei o que raio se passa. Contento-me vagamente com a ilusão de que sou pouco fotogénico.



Por isso toca de puxar o brilho ao carro que o meu corpo é. Toca agora de lhe dar os cuidados que se dão às máquinas antigas que vão para exposição. Cuidado aí Sr. Oliveira mais devagar. Acha que fico melhor assim, de perfil. Não? E de costas?



Pubicado in O Comércio de Guimarães (20.12.17)
Imagens (de cima para baixo): Michel Houllebecq, Harry Dean Stanton, Klaus Kinski, Philip Seymour Hoffman, Woody Allen e eu.




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