Como eu costumo dizer
“Gosto de
lugares-comuns. Lugares-comuns são reconfortantes, como um abraço.”
José Eduardo Agualusa. A educação sentimental dos pássaros. 2011.
Uma das coisas caricatas que
podemos ouvir, com alguma frequência diga-se, é um parceiro a quem
ocasionalmente escutamos começar uma frase por “como eu costumo dizer”. Mal
alguém profere esse intróito de sentença há qualquer coisa em nós que permanece
em suspenso. Que irá ele dizer? Que novidade irá ela aportar à nossa conversa?
Não sei ao certo o que se passará convosco, mas comigo, a seguir a isso só
advém frustração. Já não sinto sequer o frisson que sentia quando comecei a
ouvir “como eu costumo dizer”. Porque “como eu costumo dizer” precede sempre
uma banalidade ... das banais. Como eu costumo dizer grão a grão enche a
galinha o papo. Ou como eu costumo dizer as proteínas são essenciais ao
crescimento. Ou como eu costumo dizer há sempre um amanhã. Ou como eu costumo
dizer o bacalhau não se quer insosso. Não há nada de interessante a seguir a
alguém afirmar “como eu costumo dizer”. Nunca.
No entanto hoje sinto-me
particularmente atraído por essa bengala retórica. Apetece-me dizer coisas
óbvias como se elas saíssem de dentro de mim concebidas por um raciocínio
hermafrodita, impermeável ao meio, único. Aí vai:
Como eu costumo dizer o
Marcelo é o maior e Portugal, como costumo dizer, tem assim mais sorte do que
juízo. É difícil reunir num homem tantas qualidades (inteligência, humor,
empatia, simpatia) e ainda mais difícil é um homem com tantas qualidades
dispor-se a partilhá-las de forma tão generosa connosco, em vez de as guardar
para si e para os seus amigos ou distribuí-las a conta gotas de forma mais
descontraída (e financeiramente muitíssimo interessante) através de um programa
de televisão. E se há sempre quem diga “como eu costumo dizer ele nunca me
enganou” e quem ache que ele é um fingido e um interesseiro é porque está, como
alguém meu amigo costuma dizer, desfasado. Não há como não achar incrível que o
Portugal que elegeu o Sócrates (duas vezes!) tenha elegido Marcelo. Um sempre
se perguntou o que é que o país podia fazer por ele, o Marcelo pôs-se desde o
início a fazer pelo país. E assim continuará. Como é evidente o seu estilo
frenético é propenso a erros. Cometê-los-á certamente mas no meio de muitas
coisas boas, de uma genuína preocupação pelos portugueses e com um bom senso
que lhe desconhecia tão franco.
Como eu costumo dizer os
americanos são loucos. Ao ver a entrega dos Globos de Ouro percebi quão loucos
eles realmente são. As atrizes vestiram-se quase todas de preto (e as que não o
fizeram foram apontadas a dedo como os judeus no tempo dos nazis) e desfilaram
no seu discurso uma data de banalidades perigosas do tipo “como eu costumo
dizer” em modo de combate e de denúncia do assédio sexual. Acredito que uma ou
outra tivessem razão de queixa, não acredito que todas as que o fizeram o
tivessem efetivamente. Estamos a entrar em terreno perigoso quando se mete no
mesmo saco o comportamento nojento (de quem usa o poder para obter favores
sexuais) e o galanteio, por mais despropositado que este seja. Há (por vezes) sempre
o poder e a simplicidade do “não” como recordou Catherine Deneuve. Os
americanos tendem à carneirada, quando um vai os outros vão atrás. É pena que
não se tenham acarneirado antes para impedir que um louco profissional tivesse,
pela via democrática, conquistado o direito a os governar e nos assedie,
diariamente, com a sua imbecilidade.
Como eu costumo dizer não
havia necessidade de meter imagens nos maços de tabaco. Nós – os fumadores –
sabemos que a coisa faz mal, que é estúpida e escusada. Aguentámos que nos
escrevam no maço que O TABACO MATA, aguentámos que 4 em cada 5€ sejam para
impostos, merecemos esse castigo fiscal. Agora que nos metam uma boca cariada,
um pé sem um dedo, um buraco na traqueia pelos olhos dentro é que já é de mais.
Comprar um maço de tabaco assemelha-se cada vez mais à caixa de furos dos
chocolates Regina. Então estávamos à espera que nos saísse o melhor dos
chocolates, agora rezámos para que nos saia o menos mau dos maços de tabaco. E
como eu costumo dizer: bom ano!
Publicado in O Comércio de Guimarães (17 de janeiro 2018)
Imagens: La belle de jour. 1967. Luis Bunuel. e capa do Der Spiegel
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