Toponímia de género
“(...) as
mulheres falam muito/ têm o riso arguto nos lábios acesso pelo anis/ sempre que
os homens as desejam/ noite adiante ... calados.”
Al Berto. Filmagens. 1980.
O jornal Público aquando do
dia 8 de março publicou um artigo sobre o nome das ruas de Portugal concluindo,
sem espanto nosso, que em cada vinte ruas com nome próprio dezassete referem-se
a nomes de homens. Percebe-se ainda do artigo que nas ruas com nomes prevalece
o factor religioso, mais significativo nas mulheres. É a vida, dir-se-á, apesar
dos dias internacionais da mulher que se repetem, como as estações.
Utilizando o mesmo “método
científico” da jornalista que escreveu a peça - os códigos postais dos CTT - se
bem que de forma certamente mais apressada, reparei que em Guimarães há uma
tendência muito maior do que o resto do país para dar nomes de pessoas às ruas.
Em vez do terço que a peça refere em que as ruas têm nome de pessoas em
Guimarães, nas freguesias centrais, dá-se muitos nomes de pessoas (mais de
metade nas freguesias da cidade). No entanto ao nível de mulheres ainda
conseguimos ser mais raros que o país: São Sebastião não tem nenhuma, nem santa
sequer, São Paio só tem o Largo Condessa do Juncal, ainda por cima quando nós o
tratamos por Feira do Pão, e só a Oliveira é generosa (e se aproxima assim da
média nacional) com a Mumadona, a senhora Aninhas (travessa e rua), algumas
santas e muita realeza (Constança de Noronha, e a família direta do nosso rei: Dona
Mafalda, Dona Urraca e Dona Teresa que vai também a Aldão). Creixomil ainda nos
traz a Oneca Mendes, a inevitável Senhora da Luz, e a prof.ª Maria Amélia Maia,
a Costa vai para as santas e Azurém também, apesar da poética Travessa Rua
Inês. No resto do concelho, dominado, e bem, pelos nomes dos lugares, a Florbela
Espanca mesmo assim esforça-se (em Gonça, S.Torcato, Fermentões e Serzedelo)
mas não chega aos calcanhares de um Camões (Cidade, Brito, Infantas, Lordelo,
S.Torcato, Vila Nova de Sande, Sto Estevão de Briteiros e Serzedelo), apesar de
ultrapassar o Pessoa (Fermentões, Serzedelo, Sto Estevão). Serzedelo apresenta
a mais feminista das toponímias pois, além da poetisa, consagra a Maria da
Fonte, a Emília Costa e a Dona Leonor Baião. A Virgínia Moura espreita-nos em
Mesão Frio e, claro, em Conde. Mas a verdade é que as mulheres pontuam muito timidamente
nas várias freguesias de Guimarães. No entanto a única rua de Gominhães com
nome de pessoa tem nome de mulher: rua Adelaide Carvalho!
Gominhães é aliás a freguesia
com mais nível. Não está cá preocupada com nomes de pessoas, não vá
descobrir-se que afinal o Coronel batia na mulher, que o Arqueólogo era
fascista, ou que o Comendador (enfim) havia comprado a comenda, a bom preço, na
feira da Vandoma, não. Gominhães é sensata, não vai também em santos apesar do
Bom Despacho, prefere coisas simples e facilmente verificáveis como a rua do
Alto, a rua do Largo, a rua da Estrada Nova, a rua da Bouça ou a rua do
Ribeiro, ou mesmo a rua dos Pinheiros e da Portelinha. Simplifica e dá futuro
aos nomes que escolhe. A rua, travessa e largo do Património repartida por
Serzedo e Calvos é igualmente um achado e dá, pelo nome, dignidade ao ato
toponímico.
Mas Briteiros São Salvador
também não brinca em questões de género, para a rua do Lombo tem a rua da
Lomba, não vá ninguém ficar chateado na travessa da Arte da mesma freguesia. E
na rampa da Preguiceira, em Gandarela, não há lugar à preguiça, é sempre a subir.
Pode-se ouvir bossa nova na rua da Bouça Nova em Barco, ou mesmo outro fado na
rua da Saudade que pontua em Arosa, Creixomil, Pencelo, Polvoreira, Pevidém e
Souto Santa Maria. Estas ruas sim não olham ao género, olham à vida. E
celebram-na com gosto: há rua do Bom Viver em S.Faustino, Calvos, Abação,
Urgezes e Infantas, há a travessa do Riso em S.Martinho de Candoso, a rua da
Prainha em Gondar, e muitas Alegrias (Rendufe, Aldão, Lordelo, Nespereira,
Polvoreira, Pencelo, entre outras) e na travessa dos Casais em Atães não entram
solteiros. E a rua das Cartas há em Guardizela e Ronfe, com a rua Campo das
Cartas em Fermentões, pode ser que tragam novas do Além de Figueiredo, Corvite,
Taipas, Vila Nova de Sande. Entre-Latas de Figueiredo e Entre-Paredes em
S.Torcato é que não, prefiro a rua Entre-Águas em Longos ou mesmo a bucólica
Entre-Vinhas da Abação.
Dar nomes a ruas só é uma
maçada se a gente se puser a olhar para as pessoas em vez de olhar para as
coisas que as ruas, todas, têm. E
para a alma das ruas já agora.
Publicado in O Comércio de Guimarães (14 de março de 2018)
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