Como sobreviver ao cinema em Guimarães


A Guimarães faltam poucas coisas, mas faltam-nos algumas. O mar é uma delas: nada que não se resolva com o aquecimento global dentro de, digamos, duzentos anos, e poderão provavelmente os nossos descendentes frequentar as praias de Ronfe, Serzedelo, Guardizela e Lordelo; outra é salas de cinema de jeito. Desde que perdemos para o cinema o inesquecível Teatro Jordão e a perfeita sala de cinema do S. Mamede vivemos numa míngua famélica que nem o Cineclube de Guimarães, o melhor do mundo e arredores, consegue aplacar.

Coube-nos no fatal destino que o conjunto de salas de cinema, espalhadas por dois locais distintos, pertencessem à mesma companhia. Não que a concorrência seja no país particularmente estimulante, já que tirando a cidade de Lisboa o circuito comercial é praticamente igual de norte a sul do país, mas pelo menos garantia-se algum frisson capitalista na disputa pelas melhores salas, ou nas pipocas ... que fosse. Nem isso, a Castello Lopes concorre, em Guimarães, contra ela própria.



Eu sei que é old fashion ver Cinema num cinema mas isso é uma coisa que não me sai da ideia, passei em muitos cinemas horas irrepetíveis e absolutamente inesquecíveis. Vivo ainda esse tributo apesar das desilusões constantes. Há duas estratégias que sigo, em Guimarães, sempre que posso: ver cinema por volta das 13h00 pois nesse horário a procura é residual, a outra é saber se o filme está ou não em exibição na única sala de jeito de cada um dos espaços (uma lotaria, já que não há informação sobre a sala onde se exibe o filme que queremos ver!).



Vem isto a propósito do Bohemian Rhapsody que ontem vi num cinema de Guimarães. Tudo estava feito para te enervar. Chegas à hora marcada e apanhas com 10 minutos de publicidade (o que já nem sequer acontece, acho eu, nos canais generalistas), outros 5 minutos com traillers de filme que nada têm a ver com a tipologia dos gostos de quem está a ver aquele particular filme (e então os algoritmos?), e finalmente o filme. Tive, no entanto, sorte em duas coisas: o som bem alto como qualquer filme merece e oito parceiros de cinema que não estiveram a mandar mensagens nem a consultar o facebook ou o instagram durante a sessão, não fossem, infelizes, perder alguma novidade no sempre estimulante mundo das redes sociais.

O filme é bestial. Bem sequenciado, com um tremendo respeito pela música dos Queen, perfeito na inesquecível interpretação da banda no Live Aid  que na altura nos deixou colados ao ecrã da TV num verão em 1985, informativo, sem ajavardar com a homossexualidade de Freddy Mercury (ou é de estar velho ou acho que o cinema força atualmente em explicitar demais neste domínio ... volta Derek Jarman, estás perdoado!), e uma atuação fantástica de Rami Malek. Vi o ator nos primeiros episódios de Mr. Robot e gostei da pinta, desisti da série ainda na primeira temporada pois recuso-me terminantemente a ver séries em que tenha de tirar apontamentos para perceber o episódio seguinte, mas não o esqueci. A atuação de Rami Malek é brilhante.



Não sou propriamente um fã dos Queen, quando eles brilhavam estava embrenhado musicalmente em coisas menos luzidias. No entanto a música deles é inescapável e Freddy Mercury é uma personagem e uma voz incontornável. O filme teve, para mim, o mérito de me mostrar aspetos da história da banda e do cantor que me foram de uma absoluta novidade. Duas horas muito bem passadas apesar da Castello Lopes.

Há coisas novas a que reconheço uma utilidade extraordinária como a Netflix, o Spotify, a Apple Music, e que tendem a tornar obsoletas a ida ao cinema ou a compra de CD’s. Mas terá que necessariamente ser assim? Pergunto-me se não seria pelo menos de tentar pôr o cinema mais barato e com um bocadinho mais de respeito por quem gosta de Cinema? E os CD's são tão caros porquê? Ou continuarão a prosseguir, quais dinossauros, alegremente para a extinção.

Imagens FOXMOVIES

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