O rissol


“A atitude prevalecente em Oxford na altura era muito antitrabalho. Era suposto sermos brilhantes sem esforço (...) e tirarmos a licenciatura com médias baixas.”
Stephen Hawking. Breves respostas às grandes perguntas. 2018.




Quem inventou esta pequena maravilha? Há quanto tempo? Como se popularizou? Procurando no buraco negro da internet as origens deste acepipe extraordinário que é o rissol não encontrei, como tantas vezes acontece, respostas convincentes às minhas dúvidas. Algumas pistas aparentemente mais sólidas definem-no como filho da empanada galega celebrada em pedra no pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela, ou seja, já existe empanada pelo menos desde o século XII. As empanadas esculpidas no pórtico são contudo bem maiores que o nosso delicado rissol, tendo no entanto o mesmo princípio culinário. Descendente ou não da empanada, a verdade é que alguns classificam esta delícia frita como uma invenção nacional apesar do nome ter base francesa, roissole, que deriva por sua vez da apropriação do vocábulo latim russeola e que eventualmente se aplicou para definir a cor avermelhada da massa frita.
A dificuldade em situar o rissol no tempo e no espaço, de o compreender, está ao nível dos princípios físicos de Hawking sobre os buracos negros, o que lhe dá, convenhamos, ainda mais charme.




rissol é de longe o mais democrático e interclassista dos aperitivos. Não conheço ninguém que dele não goste, pobre ou rico, intelectual ou agricultor casadoiro, devoto de Che Guevara ou reacionário convicto, o rissol a todos cobre no seu delicado manto de massa frita depois de previamente passada em ovo e pão ralado.
Entre uma tosta com caviar retirado de esturjões iranianos e um rissol de carne quentinho não teria dúvidas em escolher o segundo. O sabor de um bom rissol não procura ser divinal, procura “apenas” ser bom e essa humildade desarma. O rissol não esventra peixes, aproveita muitas vezes restos carnes previamente cozinhadas. É além de humilde: poupado.
Mas o rissol não se dá a apoucamentos como acontece com o croquete, não senhor, tem a forma delicada de uma meia-lua ...




Tenho a felicidade de com eles conviver desde a infância. Como os da minha tia Fatinha não encontrei até hoje, apesar de não desdenhar de todos os outros: é-se infiel sem culpa em matéria de rissóis. Dão um trabalhão como as coisas boas o dão. São variados apesar de no meu top estarem os de carne. Não que eu não aprecie outros – como os maravilhosos rissóis de queijo do Café Rio em Covas – mas quanto mais simples e tradicionais melhores.



Ao ler o livro póstumo do grande físico britânico que cito nesta crónica, lembrei-me (por outro lado) de como as coisas mudaram em termos de desempenho académico. Há umas décadas atrás estudar era para os fracos, o que era cool era não estudar e safarmo-nos na mesma. Cresci nessa cultura, ao ponto de no meu décimo primeiro ano perante um bom desempenho pessoal nas disciplinas de ciências um amigo meu me ter apresentado a outros ressalvando que, apesar disso, eu era um gajo porreiro. Sintomático. A universidade tornava-nos, mais tarde, especialistas em quase tudo que “não interessava”. Hoje é diferente e ainda bem. A dedicação dos meus alunos chega a ser comovente e fazem bem. Apertadinhos como rissóis com pouca massa e muito recheio os jovens vão lutando para singrar numa sociedade que por eles clama e muito pouco faz para lhes permitir apanhar o sol que os maiores e mais estabelecidos açambarcam no seu vergonhoso egoísmo.




Aminha filha mais velha passou-me um pensamento interessante, partilhado numa rede social, a propósito do Brexit. Nele se lia que os ingleses se assemelhavam àquele palerma ocasional com quem saímos à noite e que passa o tempo todo a dizer mal da discoteca em que estamos. Saímos da discoteca, vergados à má disposição do colega, e cá fora percebemos que ele não tem a mínima ideia para onde ir agora. Impossibilitados de reentrar, mas sem vontade de ir para casa, assacam-se culpas sem propósito na barraquinha dos cachorros.
Que se empanturrem de cachorros e cerveja quente na barraquinha que alberga os perdidos da noite, de rissóis é que não: não merecem!




Uma alma amiga, o Amaro das Neves, mas sobretudo caridosa, não fosse eu dizer mais asneiras do que a conta que generosamente me cabe, chamou-me a atenção, antes da publicação desta crónica no blogue, para um texto de Lucas Rigaud, cozinheiro de D.Maria I, do final do século XVIII, cuja imagem está acima reproduzida. Noto que Amaro das Neves, sem desdenhar do rissol, é um adepto ainda mais feroz do bolinho de bacalhau e tem, seguramente, uma “internet” melhor que a minha. O meu agradecimento.

Publicado in O Comércio de Guimarães, a 27 de março de 2019

Imagens (de cima para baixo): receitinhas.com, pórtico da Glória, Lucas Rigaud, tendenciasfrescas.eu, nit.pt e iNews.uk.

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