Jogos Olímpicos

 

Este terrível 2020 tirou-nos a possibilidade de assistirmos, este ano, a um dos acontecimentos mais interessantes e marcantes do desporto: os Jogos Olímpicos! A trigésima segunda edição dos Jogos da era moderna, em Tóquio, foi adiada. Será realizada para o ano, assim o espero. 




 

Para a minha geração, e para aqueles que nessa mesma geração adoravam desporto, os Jogos Olímpicos sempre foram um acontecimento único e (quase) religioso. Limitados pelas transmissões televisivas muito parcas, os jogos eram uma espécie de overdose televisiva desportiva que nós tomávamos com apreciável gozo. E havia sempre aquela parte tribal de uns países contra outros, apesar da retórica de paz e amadorismo que os enformava. Era a RDA contra a RFA, os Estados Unidos contra a União Soviética, o que no tempo da guerra fria dava uma dimensão ideológica à coisa. Até acho que o comunismo sobreviveu mais tempo dada a imensa propaganda que os resultados desportivos da União Soviética e dos países sobre a sua alçada alcançavam. Apesar de estar sempre a torcer pelo do lado dos ocidentais, das democracias, sempre me fascinaram os atletas de leste. Lembro-me de um furacão de graciosidade, com 1,50m, uma romena de nome Nadia Comaneci que encantou nos jogos olímpicos de 1976, em Montreal, apenas com 14 anos de idade. Ela conseguiu um conjunto de notas de 10,00 pontos, o máximo, até aí nunca obtidas por nenhum atleta. De tal forma assim foi que os mostradores Omega não estavam preparados para receberem notas com 4 dígitos. Da primeira vez, após uma prova perfeita nas paralelas assimétricas, apareceu no mostrador a nota de 1,00. Não podia ser! Era afinal um 10,00, o mostrador é que não estava preparado para quatro dígitos e para uma atleta assim. Os Jogos têm centenas de histórias fantásticas de superação, sacrifício e amizade, como aquela que, a contragosto de Hitler, surgiu nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), entre o negro americano Jesse Owens e o branquíssimo alemão Luz Long. Owens era o homem mais rápido do mundo e limpou com facilidade os 100m e os 200m, mas na prova de salto em comprimento estava prestes a ser eliminado nas eliminatórias, quando Luz Long, seu rival desportivo e campeão europeu, lhe deu um conselho que o levaria à final. A luta pelas medalhas entre os dois foi acesa, mas Owens acabou por ganhar com um recorde olímpico. Perante um estádio que transpirava a fervor nazi, o alemão foi cumprimentar e abraçar o homem que o acabara de bater. Long morreria mais tarde, em solo italiano, em 1943, enquanto soldado na Segunda Grande Guerra.





 

A amizade e a beleza do desporto encontro o seu ponto perfeito nos Jogos. Mas a tragédia também os ensombra. Quer a nível político nos atentados de 1972 em Munique, quer individualmente. A primeira participação portuguesa nos Jogos (Estocolmo, 1912) saldou-se logo por uma morte trágica: a de Francisco Lázaro na Maratona. Há quem atribua a morte ao facto do carpinteiro lisboeta, um atleta autónomo que nunca teve treinador, se ter besuntado com sebo e não ter usado proteção para a cabeça, morrendo assim de insolação e desidratação. Há quem ache hoje que foi da mistela que ele bebeu antes da corrida - uma mistura de ovos, terebentina e vinagre -, quem sabe? E, por aqui, tivemos tragédias menores como a perda de uma medalha de Domingos Castro na final dos 5000m em Seul (1988). Acho que ainda está gravado na memória de muitos aquela emocionante corrida. Domingos foi com toda a força à procura do primeiro lugar e a ninguém lhe passaria pela cabeça que, mesmo não ganhando, ele perdesse a medalha de prata. Na última volta a distância entre o atleta vimaranense e os restantes atletas era enorme, mas todo o esforço para alcançar o primeiro lugar foi pago de forma brutal. Nos últimos metros da corrida, mesmo no fim, foi ultrapassado por dois atletas e ficou ... no terrível quarto lugar. Inconsolável.




A participação portuguesa é (quase) sempre uma desilusão, fruto de um país muito virado para o futebol e não propriamente para o desporto. Sofremos sempre, isso é garantido. Portugal participou em 26 edições e tem apenas 24 medalhas. Não chega sequer a média de 1 medalha por participação. Mesmo assim já conquistámos 4 medalhas de ouro: Carlos Lopes (maratona, Los Angeles, 1984), Rosa Mota (maratona, Seul, 1988), Fernanda Ribeiro (10.000m, Atlanta, 1996) e Nélson Évora (triplo salto, Pequim, 2008), nada que uma delegação como a húngara não pulverize numa única participação (no Rio tiveram 8 medalhas de ouro). Em conversa com uma amiga húngara, há uns anos, apercebi-me brutalmente dessa triste realidade e mudei logo de assunto. Até o enigmático Uzbequistão teve 4 medalhas de ouro no Rio (3 no boxe e 1 no halterofilismo) e, vejam lá, a Coreia do Norte teve 4 ouros nos jogos de Londres (1 no judo e 3 no halterofilismo). Não deviam valer tanto desportos como estes que agora referi. Pelo menos as nossas medalhas de ouro foram bem suadinhas e disputadas ... um pouco antes dos africanos se dedicarem a sério às corridas de fundo, para nossa futura desgraça.

Que venha então o novo ano e os Jogos adiados e que 2021 seja bem melhor que o ano que agora finda. Não deve ser difícil, mas nunca se sabe... bom ano para todos os leitores deste jornal. E para os outros também.

 


Publicado in Desportivo de Guimarães a 22 de dezembro de 2020.


Imagens (de cima para baixo): Athit M./Reuters - Luz Long e Owens - Atleta japonês com a tocha olímpica para os jogos Olímpicos de Tóquio (1964). Yoshinori Sakai foi escolhido para a cerimónia por ter nascido numa cidade próxima de Hiroshima, no dia exato em que uma bomba nuclear caiu e arrasou aquela cidade japonesa durante a II Guerra Mundial.

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