Os nossos amigos ... do Braga

 Uma parte da minha educação de criança foi aprender a gostar do Vitória. Tarefa fácil que aprendi e respeitei sem dificuldade e com uma boa dose de entusiasmo infantil, que ainda hoje se mantém apesar da idade já não o aconselhar. Com a proximidade física ao estádio, as ruas cheias de gente em dia de jogo, as visitas ao campo de treinos da Amorosa, os “tios” que me levavam quando ninguém de família o podia fazer, a coisa cimentou-se desde muito cedo, para sempre. Tal como acontece aliás com boa parte dos vimaranenses e mesmo pessoas que não sendo de Guimarães por aqui têm raízes. O meu estimado primo João, nascido e criado no Porto, perto da zona da Boavista, é disso um exemplo e, durante anos, foi olhado no Porto como ave rara, sofrendo pelo Vitória ainda mais do que eu: efeito seguramente de uma visão alternativa do fenómeno futebolístico e do pedagógico convívio em família.



A par da paixão pelo Vitória vinha sempre, como brinde, a rivalidade com o Braga. Faz parte duma relação secular entre as duas cidades e, creio, bem vistas as coisas, ajuda mais do que atrapalha pois nos obriga a sermos melhores.

Lembro-me vividamente dos jogos Braga-Vitória, mais do que os Vitória-Braga; havia, nos primeiros, um ambiente bem mais festivo e tenso do que nos segundos, pois o Vitória arrastava (ainda arrasta) mais gente a Braga do que os bracarenses que cá vinham. Nos anos 70, 80 e 90 do século passado um Braga do Vitória entupia a estrada nacional entre as duas cidades. Saía-se da cidade e já estávamos em fila até Braga! Bandeiras fora do carro, buzinadelas dementes durante o percurso, e algumas escaramuças “leais” na reta de S.Martinho de Sande com adeptos do Braga, compunham a tarde de domingo inteiramente dedicada ao desafio. Ainda por cima a localização do belo 1º de Maio dava-nos a mentirosa sensação de que não tínhamos saído do nosso concelho. 

Pesquisei para perceber qual a última vez que vi um excitante Braga-Vitória e, sem grande espanto, percebi que foi em setembro de 2004, já na Pedreira. Perdemos 1-0 e eu saí ao intervalo pois uma das minhas filhas estava doente e a minha mulher, impossibilitada de sair de casa, me pediu para comprar um medicamento de forma urgente. O final, relataram-me, foi verdadeiramente assustador, com agressões cobardes, carros e camionetas vandalizadas. Nada que não se tenha igualmente, com toda a certeza, passado em Guimarães com os adeptos do Braga como vítimas. A demência da violência entre os adeptos destes dois históricos clubes, amplificado pelo fenómeno das claques, é uma coisa que me deixa triste e avisado. Por isso não vou lá há 16 anos e tenho pena, pois a sensação de ver um Braga-Vitória era única e exacerbava a alegria ou a tristeza e níveis altos.


 

O novo século trouxe-nos um Braga organizado e desportivamente bem melhor que o nosso Vitória. Vivemos torturados e manietados por essa realidade. Cometemos erros a querer atropelar o Braga rapidamente, em vez de copiarmos o que de bom eles têm, mantendo, todavia, a nossa mística e a nossa paixão tão características. Quando se pensarmos bem ... o sucesso do Braga – a quem frequentemente barram o caminho para não o deixarem ir mais além – é um bom sinal. É um sinal de que há efetivamente uma possibilidade de sabotar a insuportável ditadura administrativa, financeira e comunicacional dos três clubes que fazem dos sucessivos campeonatos do futebol nacional uma palhaçada, penalizando desportivamente sem vergonha, ou visível embaraço, o Braga, o Vitória e tantos outros clubes.

 

Não tenho nada, sendo vitoriano, contra os adeptos do Braga. Pelo contrário. Preservo com gosto a amizade e admiração por três rapazes da minha geração que, quando o Braga não tinha grandes resultados, eram pelo Braga denodadamente: o Paulo Carrilho, o Ricardo Amorim e o Miguel Pedro. Agora é mais fácil ser pelo Braga, na altura não seria tão confortável. Mas eles fugiram com nível à parolice nacional de ser por um dos três do costume. Nada mais natural do que se ser pelo clube da nossa cidade. Na minha existência cruzei-me e conversei demoradamente com estrangeiros adeptos do Shalke04, do Sevilha, do Bruges FC, do Groningen, do Newcastle, do Marselha, do Torino, pois o clube representava o local onde tinham nascido, ou onde viviam, como acontecia comigo. Nos campeonatos civilizados, com estruturas dirigentes dignas e atentas à lei, é isso que acontece. Assim sendo é comum – e muito saudável - que esses países tenham um conjunto alargado de campeões ao invés destes monólitos futebolístico que nos esmagam a verdade desportiva e, sobretudo, a paciência. E naturalmente uma competitividade sadia que dá ao fenómeno desportivo a sua beleza e a sua (perdida) essência. Uma mais justa distribuição das receitas televisivas – como acontece nos melhores campeonatos - seria fundamental para a melhoria do futebol nacional.


 

Gostava de ver o Vitória e o Braga unidos no propósito de sabotar o miserável estado a que o futebol nacional chegou. Mas há sempre um problema qualquer entre os dois clubes: ninguém gosta de ver o “outro” a liderar. Assim se perdeu a oportunidade do G15, já de si fragilizada pelo facto dos três monólitos – e vamos lendo agora de como o Benfica assentava em contratações para manter a trela curta a alguns clubes – terem sempre formas de sabotar propósitos como este.

Precisaríamos de ter a sorte de encontrar dirigentes com esse propósito e sem o preconceito de verem Braga e Vitória do mesmo lado da barricada. Não é fácil. Mas nós, os adeptos, malgrado a vontade de vermos o outro perder, deveríamos perceber que é muito mais importante o que nos une do que o que nos divide. E o inimigo é, claramente, outro. É só olhar e ver.


Publicado in Desportivo de Guimarães em 19 de janeiro de 2021


Imagens: Arquivo Gulbenkian, Miguel Pereira e VSC

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