Get a life!
Saí
do nosso estádio, no jogo contra os eslovenos, antes do prolongamento. Saí
porque tinha combinado jantar com a minha mulher, às 10 horas, pois julgava ser
esse o tempo suficiente, mas saí, sobretudo, confesso, por cobardia. Não tenho
já coragem para me confrontar com as centenas de apopléticos que destilam ódio
e fel para cima dos profissionais do meu clube, uma minoria ruidosa. Acho isso
indigno. Revolve-me o estômago o pessoal do “Rua Moreno!”, do “Rua Presidente!”,
do filho deste e filho daquele, do pessoal que vai pressurosamente equipado de
lencinho branco para achincalhar, para humilhar. Fico com náuseas quando se
confunde vitorianismo com o insulto gratuito. Deprime-me imenso que o fulano
que acabou de exibir, nas redes sociais, o reluzente cartão do bebé Inácio, recém-nascido,
sócio 38.421 do Vitória Sport Clube, exiba igualmente, passado umas horas, com
o mesmo despropósito, o seu fel envelhecido em cascos de carvalho, mas que, ao
contrário das bebidas espirituosas, se comporta como um espumante agitado.
Salta-lhes a rolha com facilidade. Sim, do Vitória Sport Clube: Vitória de
Guimarães nunca, nem pensar, eu nem sei onde fica Guimarães … alimentando até
ao enjoo a discussão mais estéril e parva do universo vitoriano.
Já
tenho idade suficiente para ter ouvido um conjunto de torpes justificações
sobre coisas absolutamente injustificáveis. Uma delas era o de bater na mulher,
só porque sim. E havia uma ou outra vítima, que, tolhida de medo, dizia que o
marido lhe batia pelo facto de ainda gostar dela. Pobres mulheres e pobre
intelecto que assim procurava justificar a indignidade de que se foi vítima. Hoje
isso está “fora de moda”: a justificação, não o ato, infelizmente.
O futebol é ainda hoje um caldo dessa cultura acéfala, gratuita e violenta. Tudo o que é ódio vai parar ao futebol. Tudo que é lixo humano, agora ampliado de forma demente pelas redes sociais, tem nele o seu palco privilegiado.
A
demissão de Moreno, com o estado de alma de quem o quis ouvir, é, apesar da
mensagem pessoal de preservação de uma dignidade própria, uma derrota do vitorianismo
em detrimento do insulto. Como é óbvio – e até humano, diria – o Moreno errou
muitas vezes, mas sempre foi um excelente profissional, quer como jogador, quer
como treinador. A época passada foi um claro e comprovado exemplo de
capacidade, perante as limitações da equipa. Por isso, não partilho dos elogios
que agora se fazem – muito deles profundamente hipócritas – e senti-me
desiludido com um treinador que sempre defendi, mesmo na altura em que o pessoal
pegava no lencinho branco antes de assistir ao jogo. Fiquei desiludido e
profundamente preocupado.
Não,
não se bate na mulher porque (se diz que) dela se gosta. Bate-se na mulher
porque se é um indivíduo violento e sem carácter, um ser torpe que se compraz
com o sofrimento alheio. Não, não se gosta mais do clube porque se escreve
sobre ele dia sim, dia sim, porque se rasgam vestes e se exibe a fotografia da
mulher que à noite se sova, porque se fala do clube achincalhando sempre
alguém, só porque a vida pessoal de quem assim procede não tem qualquer sentido
que não seja o de fazer da vida dos outros um inferno. Em inglês há a expressão
get a life! Esta expressão diz-se a
quem só sabe chatear, a quem só sabe dizer mal e nada faz de positivo com a sua
própria existência. Neste caso a expressão bateu do lado errado … e lá foi
Moreno ter a sua vida, em vez dos maldispostos do costume.
Há
animais, não sei se aranhas ou víboras, ou se sou eu a inventar, que precisam
de cravar o veneno na vítima com alguma regularidade, senão morrem da própria
malignidade que segregam em abundância. E se não contratássemos treinador
nenhum nas próximas jornadas para ver se o mesmo se aplica a alguns espécimes
do género humano? Para que quem já espuma por mandar para a rua o próximo
treinador sufocasse no seu próprio insulto. Se
non è vero, è ben trovato, diria o italiano.
Imagem: E la nave va.
Fellini.1983.
Publicado in Desportivo de Guimarães a 14 de agosto de 2023
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Parabéns