A VITÓRIA DA ESPERANÇA

 


Se me contassem, não acreditava. Mas, na noite eleitoral, em que estive quase para ir ao Cineclube para minorar as (habituais) angústias nos resultados locais, fui vendo pelo site do MAI as freguesias apuradas, com uma ou outra mensagem a darem-me resultados surpreendentes, e comecei a perceber que era possível quebrar um longo ciclo de hegemonia absoluta de um só partido no concelho de Guimarães. Tinha que fazer como S.Tomé e assistir, com os meus próprios sentidos, ao facto que naquela noite se corporizava. O filme do Paul Thomas Anderson iria, afinal, ter que esperar por melhor oportunidade.

 

O que realmente me impressionou, já no dia seguinte à eleição, foi a extraordinária afluência às urnas. Se no país essa afluência foi já assinalável, em Guimarães o adjetivo é manifestamente escasso: mais de 100.000 eleitores foram exercer aquilo que eu, pessoalmente, considero uma obrigação cívica, mas que, com o tempo, para outros, se vai tornando uma maçada, ou pior do que isso, uma inutilidade. Mais de 70% de afluência às urnas é absolutamente notável. Na região, só Braga, com mais 24.000 eleitores do que Guimarães, conseguiu mobilizar mais gente. Mais 7.000 eleitores, fruto da “irritante” diferença populacional que nas últimas décadas se cavou entre os dois concelhos.

Mais do que o resultado, por mais que ele me tivesse agradado, retive com satisfação a importante força democrática no meu concelho e, neste caso, a convicção de que vale a pena ir votar, de que vale a pena exprimir pelo voto a confiança ou o desagrado. Ou as duas coisas.

 

O fenómeno a que tive o sublime prazer de assistir parecia impossível, após tantas derrotas, inclusivamente a minha própria. Quando se perde muitas vezes começa a achar-se que a nossa esperança num projeto melhor para Guimarães não é uma convicção, mas uma doença. Podem naturalmente arranjar-se, agora, vários pais e mães para a vitória da coligação Juntos por Guimarães. Pode-se, mas não se deve. A vitória teve um rosto formal, mas igualmente espiritual e emotivo a quem a vitória se deve: Ricardo Araújo. A sua energia, a sua simpatia e atenção para com os seus conterrâneos, a sua forte imunização contra uma certa descrença histórica, foi absolutamente notável. Nunca o vi em baixo, nem a queixar-se. Para ele cada dia parecia sempre o primeiro. A sobranceria do PS, que se achava dono do voto dos vimaranenses, ajudou, mas, sem a ideia mobilizadora de um projeto e a convicção de o realizar, nada do que aconteceu teria acontecido.

No discurso de vitória, ainda para mais tão importante e refrescante quanto esta, o Ricardo Araújo afastou a altivez de que se poderia investir, em legítima tentação. Estava feliz, mas preocupado em respeitar quem perdeu. E esse é um bom começo. Não se esperava, seguramente, um discurso estruturado (não era possível tê-lo), mas o cuidado em repartir igualmente os louros de uma vitória inequívoca, demonstrou uma enorme capacidade de aglutinar. E isso é, sem dúvida, o que tem faltado a Guimarães. 

 

O desafio que o espera agora – a ele e à sua equipa - é absolutamente titânico. Uma alma grande, como a alma vimaranense, foi descrendo, nas últimas décadas, em si própria. Fomo-nos agarrando ao passado glorioso e a uma ou outra conquista, mais folclórica do que sentida, para não deprimirmos coletivamente. Pegar, agora, numa máquina pesada e tentacular, como é a Câmara Municipal de Guimarães, não será seguramente tarefa fácil. E, como nas bicicletas, toda a estrutura está adaptada a outros ciclistas. Desmontar e substituir todas as peças da bicicleta não será porventura possível no tempo e no modo, mas alterar a dinâmica do veículo, mudar a filosofia de como se pedala, olhar os problemas das pessoas e da comunidade de frente, preocuparmo-nos mais com a eficácia da governação do que com a eficácia da comunicação, é algo que, sendo difícil, é possível e é, sobretudo, desejável.

Uma vitória autárquica como esta, com esta adesão dos vimaranenses e com este significado, não será certamente tomada como um simples ajuste, mas sim como um refrescante recomeço. O recomeço que dá sentido à democracia e que, não existindo, a enfraquece.

 

Nota final: a comunicação social nacional é uma desgraça. Os personagens que a habitam estão mais preocupados em debitar agendas preguiçosas do que em informar. O nível de ignorância é tão grande que faz mal à democracia. No dia das eleições e no rescaldo vi chafaricas, com menos eleitores do que Creixomil, merecerem amplo destaque pela mudança. De Guimarães nada, mesmo sendo em Guimarães a autarquia em que se deu a mais espantosa das mudanças, ainda para mais com ótimas condições de governabilidade. Coimbra ou Viseu tiveram um destaque medonho, Coimbra onde votaram menos 30.000 pessoas do que Guimarães e Viseu com cerca de metade dos votantes. Ambos os municípios em que o PS não tendo maioria absoluta dependerá ... do Chega. Já nem falo de Beja onde o PSD ganhou com o número de votantes que, em conjunto, votaram na freguesia de Azurém. Certamente estarei a exagerar. A comunicação social fará, só para me contrariar, uma completa (e profunda) cobertura das eleições do Benfica. 



“Quem não sabe ver ao longe levanta muros em redor de si e muralhas que lhe tapem o horizonte”

Almada Negreiros. Nome de Guerra. 1938.


Publicado in O Comércio de Guimarães, a 15 de outubro de 2025


Comentários

Mensagens populares