Coisas que não deveriam parecer mal em 2013


“(…) amanhã trarei gafanhotos para o teu território. Eles encobrirão de tal modo a superfície do solo que não se poderá ver o chão. Comerão o resto que sobrou, poupado pelo granizo, devorando todas as árvores que crescem no campo. Encherão tuas casas (...) como nunca o viram teus pais, nem teus avós, desde que começaram a existir sobre a terra até hoje”
Livro do Êxodo.




2012 foi um ano difícil para Portugal. Foi mais um ano de troica com as consequências que conhecemos e com alguns matizes particularmente irritantes. O principal foi o de que passamos agora uma espécie de castigo pelo mau comportamento passado. Ora, se há coisa que não mobiliza é a culpa. Pode tornar-nos mais lúcidos mas não nos faz correr para o futuro. Por isso neste ano temos que trocar as voltas ao que parece correto fazer-se ou dizer-se, optando pelo contrário. Assim, parece-me importante:



Rir alto. A gargalhada é catártica e revigorante. Pode haver quem se sinta incomodado pela alegria de quem ri. Quem o ache desajustado. Não faz mal, pois se há quem lhe seja imune mais haverá quem se deixe contagiar por uma praga tão benigna como a alegria.

So rare to see them laughing!
Beijar em público. O beijo é um dos mais encantadores gestos humanos. Os primeiros beijos então marcam como tinta a nossa memória. Raramente um primeiro beijo não revela, logo ali, a mulher que se beija. Sabe-se logo se vale ou não a pena. O beijo precisa de ser reinventado e mostrado com parcimonioso contentamento. De O’Neill: É uma ave estranha: colorida, /Vai batendo como a própria vida, /Um coração vermelho pelo ar/E é a força sem fim de duas bocas, /De duas bocas que se juntam, loucas! /De inveja as gaivotas a gritar...

kiss
Não dizer mal do Governo. Não é preciso dizer bem; basta respeitar o esforço e a tarefa.

Fazer de conta que a CEC não acabou. Ir ver o espetáculo, o teatro, a exposição, o cinema, como se não soubéssemos fazer mais nada. O saudável vício da cultura que nos torna melhores.

Comprar jornais. Abandonar a leitura de notícias online e contribuir para que a imprensa escrita tenha a dignidade que merece e possa ser livre, crítica e atenta.


Inventar um novo fim do mundo. Vamos continuar a alimentar as palermices apocalíticas e descobrir um novo fim do mundo pela leitura enviesada dos sinais de culturas antigas. Escolhamos agora os assírios, os celtas ou os persas, e experimentemos novamente o alívio humorado da previsão feita de medo. E aliviemos assim os dias que passam e continuam a passar.

Dizer bem dos alemães. Vamos continuar europeus mas pró-germânicos, não por qualquer síndrome de Estocolmo mas porque toda a gente deles diz mal. Os bravos ingleses estão num estado comatoso de hipocrisia europeia e os franceses são os totós do costume. Dos italianos não precisamos de dizer bem mas de os imitar, agora que parece definitivamente estripada a pústula berloscuniana. Escolhamos então um amigo improvável que, mesmo mal disposto, nos tire da monotonia do politicamente correto.

Fumar. Não é possível aguentar a ideia de que o fumo é a origem de todos os males. Desde os cigarros aos salpicões tudo é amaldiçoado pelo fumo. Retiremos do baú a sensitividade do cigarro, o seu tonto ritual e como Álvaro de Campos sigamos o fumo (…) como uma rota própria,/ E [gozar], num momento sensitivo e competente, /A libertação de todas as especulações /E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

smoke

Respeitar o acordo ortográfico. Sempre e cada vez melhor como homenagem a uma língua viva, falada por mais de 200 milhões de pessoas, que tem mais futuro do que a rezinga dos “puristas”.

Vamos fazer com que valha a pena 2013, trocando as voltas às coisas, ao que parece mas não é. Talvez assim se quebre este feitiço pesado que se abateu sobre o país e talvez o ano que se anuncia terrível iluda o seu próprio peso no humor de um desalinhar consciente.


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Publicado in Comércio de Guimarães

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