O DIA V
“O binómio de
Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente para dar por
isso.”
Álvaro de Campos. Poesias. 1928.
A possibilidade de pensarmos
uma ideia é algo de fantástico. Afastarmo-nos do nosso lado animal e
instintivo, das características gregárias e comuns tributárias de milhares de
anos de evolução, é algo de particularmente excitante e sempre novo. A ideia,
ter uma ideia, desenvolvê-la, concretizá-la, partilhar essa ideia e
reconstruí-la na combinação de várias criatividades, é um arbítrio de alma.
Assim surgem os melhores exemplos musicais, as mais profundas descobertas
científicas, a roda ou o fogo, os melhores pratos, a teoria de Darwin ou a
poesia de Pessoa, a moda, a arte ou o jogo, o cinema, o ser-se romântico, ou
seja grande parte daquilo que, a par da beleza natural das coisas, faz valer a
pena o biológico ato de existir.
O DIA V, exposição fotográfica
que se inaugura na próxima sexta-feira, pelas 18h00, no Palácio do Centro
Cultural de Vila Flor, é uma ideia, certamente não tão grandiloquente e
determinante como as referidas no parágrafo anterior, mas uma ideia nova e
fresca sobre um tema possivelmente estafado como o do futebol e dentro deste,
em particular, sobre um clube: o Vitória. A novidade foi a de deslocar, no
glorioso dia da final da Taça de Portugal, o interesse fotográfico do campo
para as bancadas e para os adeptos. As estrelas da exposição fotográfica, e do
magnífico livro que a irá suportar, não são os que estão no campo a construir
pelos golos e pelo esforço o resultado, mas aqueles que fora do campo o sentem,
o perseguem, o choram. De certa forma também o construíram e também o
determinaram com a sua paixão e dedicação, com uma esperança sem limites que
encheu o ar do estádio nacional de um sentimento ao mesmo tempo de pertença e
de desejo. O foco da exposição é também a viagem, o farnel, o convívio que
apesar do nervoso miudinho também se fez, e o regresso mais feliz da nossa
história como vitorianos. A vitória nunca foi o propósito da ideia inicial, nem
o poderia ou deveria ter sido. A vitória foi um bónus feliz do destino que se
quis, assim, associar à exposição d’ O DIA V.
Os fotógrafos Miguel
Oliveira, Ricardo Leite e Ricardo Rodrigues trabalharam a sua arte de frente
para os adeptos e de costas para o relvado. Não fotografaram o óbvio nem o
acessório, nem qualquer coisa que ficasse no meio disso, fotografaram “apenas”
aquilo que muitas vezes queremos explicar e não conseguimos quando falamos em
paixão. Fotografaram o que está muitas vezes escondido das palavras, o
infotografável friozinho na barriga, o sentimento de comunhão, a lágrima interior, o ser-se vitoriano.
O jogo da final da Taça foi
apenas um pretexto feliz para a ideia ambiciosa de guardar em imagem uma
benigna doença com mais de nove décadas de existência. Implacavelmente genética
e deliciosamente incurável.
Espero que a força da ideia trabalhada
e partilhada por muita gente corresponda à sua materialização em exposição e em
livro, e agrade às pessoas para a qual foi pensada e realizada. A tentativa fugir
à vulgaridade e ao óbvio foi uma marca fundamental que agora se testará. Chegou
a altura da ideia, com a provecta idade de três meses, nascer finalmente para a
comunidade. A ideia nasceu e cresceu, como se saberá, na confluência das vontades
e dos contributos da associação Muralha, do Cineclube de Guimarães e do
Conselho Vitoriano. Foi uma soma aritmeticamente impossível. Foi para além das
partes.
A ideia original, partilhada
no estranho rigor criativo do Eduardo Brito, foi crescendo e derivando com o
contributo de novas ideias e propostas, nas quais os fotógrafos se envolveram
para além daquilo que se lhes pediu ... o que já era muito. O envolvimento da
direção do Cineclube, e em particular do Carlos Mesquita, deu corpo e
substância ao que agora se vai começar a mostrar. O apoio da Oficina e da
Capital Europeia do Desporto foi também importante para a dimensão pública da
ideia a que o meu amigo Júlio Mendes, presidente do nosso Vitória, embarcou com
entusiasmo.
O DIA V, a Vénus de Milo ou
o binómio de Newton são ideias. O eventual prazer de reparar nelas é nosso.
Não faltem à inauguração, e
se faltarem não percam a exposição até 8 de setembro. E o livro! Boas férias.
Publicado in Comércio de Guimarães
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