A eternidade é horizontal
“Que farão as
pessoas importantes num cemitério? Dormem, dormem como os outros, tal e qual as
pessoas que não valeram nada. E todos na mesma posição: na horizontal. A
eternidade é horizontal.”
Antonio Tabucchi. O tempo envelhece depressa. 2009.
O título que roubei a Tabucchi, uma das frases do conto “Os mortos à mesa”,
pleno de um humor cínico e corrosivo, é hoje um pretexto para falar de coisas
verticais, de realidades e decisões que têm a continuidade e consequência, que
se alongam no tempo, que contam, que moldam o futuro na direção e na extensão.
Verticais são os rankings das escolas e horizontais as conclusões que
deles, muitas vezes, se extraem.
Os dados que há cerca de uma
década são públicos (e ainda bem que assim é) servem muitas vezes para
distorcer a realidade. Meter no mesmo saco escolas com 10 exames, 20 exames, ou
mesmo 100 exames, com escolas que têm mais de 500 exames é querer comparar a
culinária caseira com a culinária de regimento. Em Guimarães houve apenas 3 escolas
com mais de quinhentos exames: a Martins Sarmento (711), a Secundária das
Taipas (734) e a Francisco de Holanda (1048), esta última num grupo restrito de
uma dezena de escolas (públicas e privadas) com mais de 1000 exames realizados.
Só estas seriam, em bom rigor, comparáveis (todas elas, diga-se, com uma média
de exames superior à média nacional). Comparar estas escolas que têm cerca de
30 alunos por turma, com escolas com um terço destes alunos por turma, e às
vezes menos, é um exercício fraudulento. Os 154 milhões de euros que vão servir
este ano para financiar as escolas privadas não seriam melhor aplicados a
melhorar a qualidade do ensino público? Mas, de forma tonta, não é isso que
acontece. Pelo contrário. O atual Ministro da Educação, do qual tinha excelente opinião, prepara-se para
atacar com o cheque-ensino, uma forma velada de querer acabar de destruir o que
ainda não foi destruído na qualidade da escola pública. O seu fundamentalismo,
vindo dum homem que há décadas defendia pela esquerda ideias bem diferentes,
faz-me lembrar o radicalismo dos ex-fumadores para com aqueles que atualmente
fumam. Esses são sempre os piores, como sabemos.
E a leitura simplista dos
rankings serve esse propósito: as escolas privadas tiram melhores resultados,
diz-se, de forma bovina mas, frequentemente, propositada e malévola. Curioso é
no entanto que tanto apregoado rigor não leve o Ministério a querer saber, como
o quis há um ano a Universidade do Porto, como se comportam os alunos na
Universidade e que é a melhor forma de aferir a qualidade do ensino secundário.
Nesse estudo aos alunos das suas faculdades os resultados eram claros: das dez
escolas secundárias que melhores alunos deram à Universidade, sete delas eram
públicas! E uma dessas era a nossa Escola Secundária Francisco de Holanda - que
este ano continuou a ser a secundária do concelho com melhores resultados - e
que teve 8% dos alunos que entraram dentro dos 10% de melhores alunos daquela
instituição de ensino superior.
Dolorosamente vertical e a pique é perceber que Portugal está a
envelhecer desesperadamente e hoje é um dos países onde menos se nasce. 2013
prepara-se para ser mais um ano catastrófico com cerca de 8 nascimentos por
1000 habitantes, um dos piores registos da união europeia (o penúltimo) e cerca
de metade do nosso registo de há 30 anos atrás.
Não ter filhos e destruir a
educação é o que nos vai pôr, rapidamente, e se nada for feito para mudar este
estado de coisas, na horizontal. O défice público é uma brincadeira quando
comparado com esta realidade. O nosso futuro faz-se com portugueses e com a
capacidade em lhes garantir a melhor educação. É esse o futuro desejado: na
vertical, mas para cima.
V é, a outro nível, o DIA em exposição no Guimarães Shopping. Trazer
para o espaço comercial público a arte fotográfica de Miguel Oliveira, Ricardo
Leite e Ricardo Rodrigues, a propósito da paixão vitoriana, foi um desafio
difícil que a Muralha, o Cineclube, o Conselho Vitoriano e o Guimarãeshopping
enfrentaram. E com gosto e sucesso, digo-o eu. Suspeitíssimo. A visitar até 12
de janeiro, com livro à venda na FNAC.
Fotos: Alexandre Coelho Lima
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