Ginásios
"Nunca
fumei, fiz sempre exercício físico e durmo bem todas as noites" afirma Montgomery.
Churchill responde: "Pois eu cá, o meu segredo é que sempre fumei, nunca
fiz exercício físico e só durmo bem à tarde".
(Winston Churchill com o Marechal Montgomery em 1945 em www.nam.ac.uk)
Entrei para o
ecossistema dos ginásios já bastante tarde na minha vida, por volta dos 40.
Entendi mal, durante muito tempo, a expressão “tratar da saúde”. Entendia-a até
muito tarde pelo lado irónico e não pelo lado literal. E perante a epifania de
entendimento de que “tratar da saúde” era efetivamente cuidar dela e não dar
cabo da dita, inscrevi-me então num ginásio.
Poderá parecer,
a quem não os frequenta, que há uma certa uniformidade na clientela, mas não
há. Um ginásio é um ecossistema de saúde e preocupações com o corpo onde
convivem indivíduos completamente diferentes que, com o tempo, se vão agrupando
em comunidades distintas. E essa realidade diversa é uma das suas virtudes,
pelo menos para mim que gosto de faunas diversas.
A fauna autóctone
mais vistosa é a do pessoal dos pesos, e quem não frequenta ginásios tem a
errada noção de que o pessoal que está lá dentro pertence todo a essa
comunidade. Mas não. Existem mas não dominam, têm aliás uma pequena área de
influência. O facto de não serem nómadas confina-os. O pessoal dos pesos é constituído
maioritariamente por homens que sonham ganhar a configuração de um armário,
outros, mais ambiciosos, a de um guarda-vestidos daqueles antigos com três portas.
É pessoal de conversa dirigida para a musculatura. Falam dos seus bíceps e
peitorais como se de filhos se tratassem. Encontram-se geralmente, no seu
estado nativo, organizados em tribos de gente vermelha e de carótidas
salientes. Olham para os outros machos que lhes disputam, ocasionalmente, as
máquinas com um profundo desprezo. Movem-se erectos como bonecos das
Gualterianas. Muitas vezes deixo-os desviarem-se da máquina para reduzir o peso
a 1/4 daquilo que eles testaram previamente. Agora já nem lhes disputo nada,
sou um fã de aulas de ginástica. Não gosto de fazer, gosto que me digam o que
fazer. Não tenho, a este nível, uma vontade própria muito ginasticada.
O pessoal das aulas constitui
uma outra comunidade, à qual pertenço de forma tímida e controlada. A única
altura em que verdadeiramente corremos é em direção às aulas, pois o atraso dos
alunos que as frequentam é uma característica indelével desta tribo. Têm
geralmente professores fantásticos que parecem ter bebido há minutos um litro
de café. Nutro por eles uma reverência muito parecida à dos miúdos para com as
suas professoras da primária. Admiro-os e acredito em tudo que dizem. São
inesgotáveis em energia e paciência, enfrentando com um sorriso as hordas de
alunos com a coordenação corporal de uma marioneta.
Como o mundo
dos ginásios é mais complexo do que o que parece, temos aulas para tudo. Mais
espirituais (yoga, pilates), mais musculadas (body pump, e outras coisas com body), mais amaneiradas (geralmente tudo
que tem a ver com dança).
Prefiro
geralmente as aulas mais “espirituais”, diz mais comigo. Fujo geralmente de
tudo que seja amaneirado, pois não tenho
maneiras.
Mais discreta é a
tribo da passadeira. Não gostam de pesos, não estão para suportar aulas, mas
caminham até ao infinito sem sair do sítio. Por vezes sentem-se os seus
pensamentos acima da música. Ouvem-se no ar os ensimesmamentos, as preocupações,
a resolução de questões domésticas e profissionais. São uma fauna que gosta de
isolamento porque está contrariada. Estão lá porque tem de ser e quanto mais
rapidamente perderem calorias melhor. Têm a convicção forçada dos condenados.
No topo da pirâmide estão
os profissionais que fazem de tudo. Passadeira, pesos, aulas. São espécimes
absolutamente fundamentais no ecossistema, ligam todas as tribos. Eu, por
exemplo, dificilmente sobreviveria sem os seus conselhos e opiniões, sem a
precisão suíça dos seus horários. A aprovação deles é fundamental! São a
opinião pública dos ginásios e por isso mesmo são temidos pelos profissionais.
O meu corpo é,
geralmente, uma maçada. Gostaria de ter um para usar em casa e outro para usar
na rua. Como isso não é, infelizmente, possível, dou-lhe uma espanadela
ocasional no ginásio. Mas não demais, para não o puir.
Publicado in O Comércio de Guimarães (19.02.14)
Fontos (de cima para baixo): http://yorktown.lohudblogs.com, http://www.california-gym.hr, Sol, lifting weights
Comentários