Da moda



“Nunca a via sem os óculos escuros, sempre bem arranjada, a simplicidade das suas roupas exibia um bom gosto discreto, os azuis e cinzentos e a falta de brilho, que faziam com que ela, por si, irradiasse toda a luz.”

Truman Capote. Boneca de Luxo. 1958.




Sempre gostei (e gosto) de ver pessoas, especialmente as mulheres, bem vestidas. A elegância é uma vantagem não verbal extraordinária. E para quem, como eu, gosta especialmente de basear o seu prazer de vida numa boa conversa, ou mesmo numa dura discussão, o bem vestir é um complemento certo, mesmo que paradoxal, para o pacote completo que os outros me podem oferecer.



Não gosto, contudo, de indumentárias ostensivas. Como nas conversas as roupas devem ser bonitas mas discretas E se possível individualizadas pelo gosto de quem as veste e não normalizadas a uma moda de ocasião. Ser-se particular a vestir, como ser-se particular a falar é um dom especial. Gosto que tudo se harmonize, que a pulseira bata certo com o sapato, ou que o brinco exista só porque um determinado cinto fez a sua aparição naquele dia. As mulheres, algumas mulheres, passam muitos dos seus minutos de hoje a pensar na combinação que farão no dia seguinte, ou mesmo até depois. E isso chega a ser, para mim, comovente. A estética é, sem dúvida, um valor e uma graça civilizacional num quadro, numa escultura, numa mulher.

Casa de ferreiro, espeto de pau, é o aforismo certo para esta minha fraqueza. Muitas vezes ficamos presos naquele purgatório espiritual entre aquilo que pensamos e queremos e aquilo que efetivamente somos capazes de fazer. Não consigo, nem nunca consegui, vestir-me sozinho de forma adequada. Há qualquer coisa em mim da síndrome do Vasco Pulido Valente. Tal como ele escreve maravilhosamente e fala de forma absolutamente sofrível, assim eu gosto da estética de vestir e não o consigo fazer, individualmente, de forma minimamente satisfatória. Por isso quando consigo acertar numa combinação mais razoável, esgoto-a pelo uso, vulgarizo-a até à náusea e terei, mais à frente, que a reconstruir com imensa dificuldade. No entanto, julgo, para os homens tudo é mais fácil, ou pelo menos tendemos a torna-lo mais fácil. A repetição é a nossa forma de dizer que gostamos de estar assim, enquanto as mulheres sabem buscar, continuamente, novos patamares, como os equilibristas que arriscam sempre um pouco mais alto quando sentem a necessária confiança. Nós, pelo contrário, estamos cá em baixo, pois pior que uma mulher mal vestida é um homem mal vestido. Chega a ser doloroso de se ver.




As compras de roupa sempre foram para mim uma tortura. Se compro à primeira faço asneira, se perco tempo na escolha fico exausto e mal disposto. A minha mulher ajudou-me a perceber que existem mais lojas para além da loja a que, por comodismo, me afeiçoei, e que o que é caro não é necessariamente o mais adequado. É pela mão dela que entro agora, bem mais confiante, na selva das compras. Ela é o meu indispensável GPS. Agora já conheço quatro lojas. Começo a ter pena da Massimo Dutti pela sua fixação na roupa slim, só ainda não a risquei do meu mapa porque tenho esperanças que, um dia, tornem a fabricar roupas para homens com mais de 25 anos. Deliro com a H&M e com a concepção democrática do tamanho dos suecos, há mesmo ocasiões em que consigo que me sirva um L. A Massimo Dutti está na fase em que me obriga a pedir um XXL e isso não se faz a ninguém. Conheci há pouco a Zara e a sua pequenina salinha para roupa de homem num cantinho da infindável estepe de roupa feminina. Gostei do conceito de arrumarem num espaço manejável a nossa pobre escolha. Simpatizo ainda com a Eureka, a loja de sapatos na Paio Galvão, mesmo ao lado dessa instituição cultural que é a Sapataria Mimosa, da minha tia Fatinha, onde cresci. A Eureka consegue ter, no meio de propostas absolutamente delirantes de sapatos de homem, uns quantos pares com um toque de modernidade que não arrasa o sentido clássico dos sapatos. E tem, frequentemente, números de homem, 43 ou 44.
Estou finalmente a passar a fase 1 da moda masculina: serve ou não serve. E sinto-me medianamente confiante.



Publicado in O Comércio de Guimarães (17.09.14)

Fotos Breakfast at Tiffany’s 1961. Blake Edwards.

Comentários

Ricardo disse…
Subscrevo inteiramente, e sublinho a cena absolutamente lamentável dos cortes "slim".....

Mensagens populares