7 mandamentos analógicos para a era digital
“Há sempre uma última vez para tudo, só que não sabemos. Portanto há
que fazer tudo como sendo pela última vez.”
Diálogo num filme de Wim
Wenders. Palermo Shooting. 2008.
Deus não enviou a Moisés um
SMS, podia tê-lo feito: era Deus! Mas não, escreveu de um jeito bem analógico,
na pedra e bem fundo, os Mandamentos. Dez por sinal. Eu atrevo-me a sugerir 7
por uma questão de economia. O restante é IVA ... e eu não vos maçaria com um
imposto.
1. Não chamarás de conversa a
nada que tenha gente a uma mesa e, simultaneamente, telemóveis. É profundamente
patético conversar-se enquanto se olha esgazeado para o telemóvel. E os que
assim procedem deveriam ser banidos da mesa por responderem a mensagens, e
digitarem e-mail´s, e espreitarem o facebook. Estar ao lado alguém assim ou de um
vaso é precisamente a mesma coisa. Estão, sem perceberem, na antecâmara da
solidão. Não o vaso, claro.
2. Não ligarás o telemóvel nem
na missa nem no cinema. Há qualquer coisa de absolutamente desarmante,
especialmente nos mais velhos, em deixarem ligado o toque do telemóvel,
geralmente bastante chamativo, nas cerimónias em que participam. Andaram quase
quarenta anos, outros cinquenta e sessenta anos, sem utilizarem o telemóvel,
mas quando ele agora toca têm desesperadamente de o atender. Nunca se sabe se o
Obama lhes telefona e lhes anuncia, em primeira mão, o começo da terceira
guerra mundial, ou se o Papa Francisco os questiona sobre em que parte da
cerimónia estão. Estou num funeral filha, liga mais tarde, beijinho, gostei
muito de te ouvir, os restantes enlutados mandam-te cumprimentos, adeus. Já os
mais novos, como nunca viram um filme do princípio ao fim, entram no cinema e
ligam o holofote pessoal para ver o que se passa no mundo antes do artista
matar o vilão. E o cinema enche-se de pirilampos. Eles não têm a mínima noção
do que incomodam, mas não se lhes pode perdoar apesar de não saberem o que
fazem. Desligue lá isso por favor e eles olham para nós como se pedíssemos que
se despissem.
3. Farás, de vez em quando, e
se tiveres idade e memória para isso, as contas em escudos e verás que não será
em vão. Ao tomares o pequeno almoço perceberás que aquilo tudo te ficou a
600$00 e comprarás então mais pão e leite para casa. Ao ires ao cinema concluirás
que o teu bilhete e as pipocas te ficaram a um conto e quatrocentos e
far-te-ás, finalmente, sócio do Cineclube de Guimarães ... mesmo que eles agora
só passem em digital.
4. Ainda com o mandamento
anterior em mente não meterás 16 contos de gasolina no carro e andarás então a
pé na tua belíssima cidade. Cumprimentarás uma pessoa na rua com um aperto de
mão ou um beijinho, consoante a situação, e dir-lhe-ás sem erros gramaticais
visíveis aquilo que lhe dizes nas redes sociais. Vais ver que a coisa melhora.
Talvez te apaixones, quem sabe, de forma bem analógica e real.
5. Mudarás de agulha e a agulha
para ouvires o teu disco de vinil antigo. Aquele crepitar tem a tua história e
o som analógico é mais vivo e poderoso que o digital. Está gravado mecanicamente
no plástico, com arte e força, como um mandamento.
6. Se fores médico tira os
olhos do ecrã do computador e olha o teu doente; se fores professor esquece a
grelha 534 que te obrigam a preencher e fala com o teu aluno. Quer o doente,
quer o aluno são tão analógicos como os teus olhos, e só eles podem perceber a
dor e o desconforto daqueles que te querem olhar. O teu doente pode ter uma
hérnia e o teu aluno uma incompreensão e o computador não to dirá certamente.
7. Não te mates a tentar
conquistar a imortalidade digital. Aceita o teu ser analógico e contínuo como o
são os dias, as horas, o vento e a voz que lá do fundo te chama. Ó porra! É um
credor, apaga-te então da vista dele. Esvaziar o lixo. Desligar.
Ao Talecas - um
dos mais analógicos dos meus amigos - que me inspirou o artigo.
Publicado in O Comércio de Guimarães 04.02.2015
Publicado in O Comércio de Guimarães 04.02.2015
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