Póvoa
Conhecia
aqueles azulejos todos, um por um. Já não os via há anos, ou melhor, já não
olhava para eles há anos. E eles lá estavam (deveria agora adjetivar com
magníficos, mas não o faço) à minha espera, um pouco mais gastos, é certo, mas
resistindo à oxidação das coisas e das pessoas, despoletando memórias como uma
paisagem à qual, inquestionável, se retorna. Na Póvoa. Na mal amada póvoa que
se esquece por força do consenso da má arquitetura e dos banhistas de má
arquitetura. E achei absurdo esse desprezo, esse consenso de tal forma unânime
que se deverá errar por ser tão mansamente consentido. A póvoa, a minha póvoa
do mar bravo (que não espreitei) com a cova onde os mais incautos perdem o pé,
outros a compostura, às vezes a vida, acontecia. A póvoa da maresia intensa que
procurava furar a impermeabilidade dos azulejos coloridos, das tardes de
nevoeiro que me atiravam para o cinema, para os filmes do Bud Spencer e para as
comédias italianas de uma sexualidade (aparentemente) casta. Mas foi exatamente
na Póvoa onde descobri que além dos filmes havia cinema. O touro enraivecido do
Scorsese no Póvoa-Cine e a primeira discussão cinematográfica a preto e branco entre
os zips amarelos e a mostarda amarela do predileto, ou melhor do predilecto. A
póvoa e os poveiros sempre desconfiados dos banhistas e da arrogância de quem
vai a banhos, uma arrogância burguesa, uma arrogância operária, mas sempre
arrogância.
E
foi no bar da praia, provavelmente no meu décimo sexto ano de póvoa, que
conheci a sério os primeiros poveiros, bons de bola e bons de música, que
reencontro hoje com o mesmo prazer daqueles fins de tarde para uma partida de
bola na areia, um banho, e um fino e tremoços num bar que não resistiu ao tempo
como os azulejos.
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