Teoria da evolução

“A luta pela existência é mais encarniçada quando se trava entre indivíduos e variedades pertencendo à mesma espécie.”
Charles Darwin. A origem das espécies. 1859.



O machismo enquanto coisa organizada e generalizada em Portugal está a acabar. Haverá aqui ou acolá um lampejos ideológicos individuais, mas é só isso. Estamos já muito longe da treta machista alardeada com segura prosápia que ouvi com frequência quando era pequeno.

Temo fazer parte (precisamente) da primeira geração que não conseguiu segurar o ancestral testemunho do machismo. Quando a geração anterior nos passou para a mãos esse legado nós deixamo-lo cair de forma desastrada. Oooops. E ainda hoje, na pista, em vão o procuramos, enquanto a corrida imparável se continua a desenrolar.
A retórica do machismo, tão longa e criteriosamente iluminada por discussões de taberna, perdeu-se assim, e finalmente, connosco. Mas, suponho, a culpa não é inteiramente nossa: foi a conjuntura!
A filosofia do machismo só atinge a sua plenitude quando o macho é adolescente, só aí ganha as suas sólidas bases para o futuro. O 25 de abril apanhou-nos na infância e quando, enfim, estávamos no ponto de nos enlevarmos pela grosseria filosófica do machismo já só se falava sobre o direito das mulheres. Uma maçada.






As gerações que precederam a minha nunca facilitaram neste domínio. Eles sabiam que a simpatia, a condescendência, é como uma droga que elas manipulam e nos administram como ninguém. Tudo começa por um simples ajuda-me aí a fazer a cama, vá lá. E nós que nunca as fizemos nas nossas casas de origens lá fomos, embasbacados pela voz suave das mulheres, puxar o lençolzinho, arrumar a almofada, puxar as orelhas à colcha. Daí a pouco já levantamos a mesa, já lavamos a loiça, já fazemos arroz, já vamos adormecer a criança, enfim, entramos, sem dar por ela, no interminável abismo das tarefas domésticas.






Quando falo em machismo não me refiro obviamente à violência sobre as mulheres. Esses homens não são machos, não são homens, são bestas! O verdadeiro machismo não é físico, manifesta-se no olhar ou, quando muito, em curtas palavras. É eloquente. De tal forma que quando a mulher diz qualquer coisa que pode afetar o estatuto de macho do homem, ele olha-a por cima dos óculos e diz implacável, apesar de ligeiramente apiedado pela boa ingenuidade da companheira, ó mulher santa paciência. E todo o mundo, a partir desse momento, se reconstrói novamente em ordem, pois a convicção dele é tal que ela se envergonha de a ter requerido.




Este processo “evolutivo” está a criar, entretanto, algumas subespécies de machos indesejáveis. A mais visível e comum é o machelão: um cruzamento genético entre o machista e o pastelão. É um tipo que não serve para nada e põe em causa a evolução do género. O machelão gostaria de ser machista mas não tem retórica para isso, nem vontade: se ela não o faz ele também não o vai fazer. O machelão não argumenta, o machelão cala. O machelão quer proteger o seu estatuto de macho pelo silêncio das palavras ou das expressões e isso, como sabemos, não é possível. Qualquer domínio deve ter um território e o machelão é um tristonho sem terra, uma subespécie um pouco repugnante.




O verdadeiro machista é assim uma espécie em vias de extinção. Não soçobrou aos cremes e às depilações, nem à macia conversa da igualdade, apenas não deixou descendência. É um património sociológico que se perde. E eu, em simbólica homenagem a esses convictos homens, vou entrar em greve de zelo na doméstica bricolage masculina. O que, bem vistas as coisas, já faço premonitoriamente há décadas. Estamos entendidos?








Publicado in O Comércio de Guimarães (2.9.15)

Fontes das imagens:
http://www.propagandashistoricas.com.br
http://business.financialpost.com/business-insider/11-outrageously-sexist-ads-that-big-brands-would-like-you-to-forget
https://shadowofpink.wordpress.com/2015/06/25/evolution-of-sexist-advertising/
http://blogs.yis.ac.jp/15chungm/2013/09/05/stereotypes-in-the-media-schlitz-dont-worry-darling-you-didnt-burn-the-beer/


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