Estaremos todos loucos?


Às vezes é necessário pararmos para pensar, abstratamente. Nem que seja nas mais absurdas hipóteses que nos permitam perceber este sentimento de injustiça que nós, os vitorianos, sentimos há tanto tempo. Vai-se a ver e apanhamos mesmo qualquer coisa que nos transtorna os sentidos sempre que vemos futebol. Uma coisa tipo o coronavírus que escolheu os chineses para os aperrear com pneumonias mortais. Sabe-se lá...




Será que afinal Tapsoba foi bem expulso no Dragão aos 44s de jogo? Será que Xistra, o árbitro que o expulsou, é provavelmente um bom homem pois acabou por reverter uma expulsão de André Almeida, uns meses mais tarde, no jogo Benfica-Aves quando os encarnados perdiam por 0-1? Será que o Sérgio Conceição tinha razão quando vociferou contra o jogo passivo do Belenenses e teve igualmente razão quando transformou os 5min de tempo extra contra nós num exercício de perda de tempo? Será que o Benfica em Guimarães nos obrigou igualmente a perder tempo de jogo com as tochas e, apenas para serem solidários com os adeptos – bonito gesto- os seus jogadores fizeram o mesmo nos descontos? Será que o abraço de Rúben Dias ao Davidson foi um ternurento carinho como muita gente convictamente afirmou e, passados oito dias, o encosto de um jogador do Aves no Vinícius foi (esse sim) afinal uma falta com o competente penalti assinalado? Será que o diligente senhor que anulou o golo de João Pedro foi igualmente zeloso quando achou que a posição de Soares (em fora de jogo posicional digo eu, louco) nada atrapalhou Douglas no empate portista? Será que ele foi igualmente reto quando considerou fora de jogo ao atropelado Davidson quando disputava a bola após um ressalto? Ou ao Edwards carregado na área portista? Será que o árbitro que anulou um golo limpo ao Rio Ave que arredaria o Sporting da fase final da Taça da Liga achou mesmo, e bem, que o guarda redes do Gil foi carregado? Será que os comentadores que fazem interpretações sempre para o mesmo lado têm, afinal, razão e nós é que não percebermos a solidez das suas certezas? Será que o Rui Pinto é, afinal, um bandido, e aquilo que, julgamos, os e-mails do Benfica espelham são apenas conjeturas doentias nossas? Será que nós acharmos que a prestação europeia das “grandes equipas portuguesas” é um nojo é apenas inveja nossa? E que, aí sim, os três são prejudicados pelas arbitragens pois na Europa faz falta o alto gabarito da arbitragem portuguesa que tão bem os apita aqui no retângulo? E que apesar dessa qualidade os árbitros portugueses são afastados dos grandes palcos por injustificado despeito internacional? 




Há a forte possibilidade de estarmos loucos afinal. E como estamos todos loucos só nos entendemos entre nós. Como é aliás típico nos malucos. E estaremos assim doidos e imunes à envangelização diligente dos órgãos de comunicação nacionais que são, certamente, de uma retidão inatacável que nós, doidos, não entendemos. E só nos incomodamos ... precisamente por estarmos invadidos de uma loucura impossível de debelar (mesmo) com a mais moderna farmacologia.
O termos resistido estes anos todos, geração após geração, vitorianos é, convenhamos, um sinal inequívoco da nossa doentia insensatez. Olhem para o lado e vejam: os benfiquistas de Braga, os portistas de Portimão, os sportinguistas de Vila do Conde são, a seu modo, felizes ... e nós sempre chateados.



Há vários loucos a começar a achar que não deveríamos comparecer no nosso estádio, nem nos estádios deles, quando jogamos contra os três do costume a quem chamamos, injustamente, nomes. E logo a esses três veneráveis clubes que assentam em instituições sérias e respeitáveis e cumpridoras e amáveis - tão íntegros serão que os bancos lhes perdoam as dívidas ao contrário do que fazem connosco, coitados. E eu, perdido por cem perdido por mil, começo a achar que esses loucos que querem deixar o nosso estádio vazio têm razão. Não comparecer ao Vitória-Porto, por exemplo, só iria beneficiar os andrades mas era capaz de ser bonito. Eu ajudaria a pagar e a pintar uma enorme tarja para a minha bancada nascente (vazia) com uma frase do tipo: Este é o silêncio da nossa indignação! Recusarmo-nos, por uma vez que fosse, a ser obedientes e oculares testemunhas de mais uma previsível palhaçada. No fundo já nos tratam como loucos: nós somos continuamente sujeitos à Técnica Ludovico tão bem filmada em Laranja Mecânica e que, resumindo, consiste em obrigar o paciente a assistir a imagens violentas sob efeito de drogas, mantendo-o acordado e manietado para as ver. E que tal um dia faltarmos à sessão da terapia que, jogo após jogo, nos infligem? É que, parecendo que não, fazemos falta. Há que haver sempre alguém para animar a festa ... e quem melhor que nós para animar um jogo de futebol? Se bem que há que manter o respeitinho. Como é possível o desplante de termos levado mais gente à pedreira do que o grande FCP? Isso não parece bem. É até, digamos, acintoso. Nós tão pequeninos e eles tão grandes: é preciso lata!




E se um dia vier a vacina contra esta loucura esconderemos pia e ciosamente as nossas loucas nádegas. Aqui não! gritaremos no hospício.
Loucos, portanto.


Publicado in Desportivo de Guimarães a 28 de janeiro de 2020
Imagens: Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick e (a última) Voando sobre um ninho de cucos (1975) de Milos Forman

Comentários

Unknown disse…
Claro que a paixão é a imagem da loucura mais ainda quando é vista pelos três divinos adversários chamados grandes. Mas loucura é para estes que nos veem e não conseguem entender como podem fazer para serem loucos também, simplesmente porque não tem amor às suas raízes. Mas atenção, já começa haver simpatizantes estrangeiros por este clube. Calma e não dar a crítica pela Alma.
Unknown disse…
Claro que a paixão é a imagem da loucura mais ainda quando é vista pelos três divinos adversários chamados grandes. Mas loucura é para estes que nos veem e não conseguem entender como podem fazer para serem loucos também, simplesmente porque não tem amor às suas raízes. Mas atenção, já começa haver simpatizantes estrangeiros por este clube. Calma e não dar a crítica pela Alma.

José Luis Marques
Paris

Sócio do Vitória

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