BELA ITÁLIA


Não há forma – por mais imaginativa que seja a má disposição – de não gostar de Itália. Há muitos países de que não gostamos pelo clima, ou pelas gentes, ou pela paisagem, ou pela pobreza, ou pela exagerada ostentação, ou pela comida, ou pela falta de liberdade. Itália não. Itália é um país quase sem defeitos. Uma pérola de país.
Um país belo e diverso. Rico e culturalmente esmagador a norte, ainda mais belo a sul.
A minha relação com Itália começou antes, bem antes, de um dia a ter visitado. O cinema e o futebol foram decisivos nessa minha paixão por Itália. Tanto assim é que no famoso Mundial de 1982, mais propriamente no dia 5 de julho, estive no bar do Clube Desportivo da Póvoa a torcer pela Itália num dos mais memoráveis jogos de futebol: Brasil 2 Itália 3. E a coisa até ia correndo mal pois a maioria estava a torcer pelo Brasil e eu, e os meus amigos igualmente “italianos”, exteriorizaram demais a alegria pelos golos do Paolo Rossi. Mas a coisa passou sem incidentes de maior. Apesar daquela equipa brasileira ser, provavelmente, a equipa de futebol com o melhor futebol que vi até hoje, a Itália ganhou esse jogo merecidamente. E eu fiquei imensamente feliz com essa seleção. Aliás, nos anos em que Portugal não participava nas grandes competições era em Itália que depositava o meu fervor de adepto.

Apesar de ser um país com regiões profundamente distintas, em muitos casos até antagónicas, há um traço comum de simpatia, de apreciar a vida, de olhar para o lado bom das coisas, em que me revejo.
Quando somos pequenos perguntam-nos o que queremos ser quando formos grandes. Eu nunca senti pessoalmente essa urgência. No entanto se me perguntassem com quem querias que o teu país se assemelhasse eu diria, sem hesitação: com Itália. Apesar da loucura toda, apesar das crises institucionais, sempre vi aquele país a funcionar. E o bom gosto italiano é uma marca indelével daquela cultura. Recordo a primeira vez que estive em Itália fiquei especado, na pequena vila de Monza, a olhar para uma peixaria. A forma cuidada e requintada como um pequeno estabelecimento dispunha os peixes num mar de gelo. Sim, queria ter um país assim: bem disposto, rico, requintado.

No entanto é o cinema a minha grande porta de entrada na cultura italiana: Fellini, De Sica, Rosselini, Visconti, Bertolucci, Begnini – que descobri num filme americano de Jim Jarmush-, Scola, Mastroianni, Anna Magnani, Ladrões de Bicicletas, Cinema Paraíso, Moretti, e muitos outros, entraram em mim sem pedir licença. E ainda bem.
Este ano Parasitas – um filme muito bem esgalhado, ao qual só preferi A despedida, uma produção sino-americana – ganhou, surpreendentemente, o óscar para melhor filme em Hollywood. Foi a primeira vez. No entanto, antes deste grandiloquente gesto da Academia, foi o cinema italiano que dominou todos os prémios para melhor filme estrangeiro. Um reconhecimento justo que lhes deu 14 vitórias, muito nos ombros do imaginativo Fellini e no aprumo estético e narrativo de De Sica. O cinema italiano é poderoso e hoje, infelizmente, vai sobrevivendo com caricaturas como Sorrentino (perdoem-me, mas não o suporto!). O cinema italiano é diverso (Pasolinni e Visconti parecem de mundos diferentes) mas poderoso, particularmente poderoso pois sempre se interessou em falar das pessoas. É muitas vezes triste pois, tal como nós, preferem arrumar a tristeza na arte.

Mas no entanto, hoje, não há como arrumar essa tristeza, essa angústia. Ela está lá, presente, pesada, inevitável.
E no meio desta pessegada político institucional em que a União Europeia está mergulhada – mas tenho ainda esperança que o bom senso e a empatia genuína se espalhem como o vírus que nos aflige hoje – olhar para Itália hoje dói imenso. Porque acima de tudo Itália é um irmão em que, particularmente, me revejo. E aquela cultura, aquela alegria de vida, não vai certamente morrer como os cidadãos italianos hoje morrem. Há que resgatar esta dor pela solidariedade que lhes devemos, que eu lhes devo em particular, mesmo escrevendo estas inúteis linhas. Ou pelo cinema que se fará. Quem sabe? Arrumando, definitivamente, esta tristeza numa obra de arte. Ou em várias, tanto faz.






Publicado na página pessoal de Facebook (28 de março de 2020)

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