BRUXAS



As épocas do Vitória começam sempre com um extraordinário optimismo: este ano é que vai ser! Faz parte da mobília sentimental do nosso clube. Este ano foi ainda mais forte esse sentimento, muito fruto da vinda de Quaresma e de imensos jogadores, de várias nacionalidades, com chamadas às seleções jovens dos seus países. Vimos em cada um deles um potencial Edwards, mesmo sem os conhecermos de lado nenhum. Passados alguns jogos percebemos que a coisa vai ser, esta época, bem mais complicada do que eufórica.

Por estes dias vai-se lendo o desespero dos vitorianos. A frustração berrada como se não houvesse amanhã. E na verdade há sempre um amanhã.

Nos momentos de maior pessimismo penso sempre, em termos de exercício pessoal, o que me adianta berrar e desesperar? Nada, concluo. Nunca deixarei de ser vitoriano enquanto existir, por isso mais vale ver as coisas positivas, por mais difíceis que elas sejam de descortinar. Assim o fiz no jogo com o Arouca. Gostei muito do Maddox, gostei do espírito de sacrifício de uma equipa a jogar com menos um e a manter o foco, gostei dos jogadores que entraram. Gosto do treinador e lembro-me dos últimos treinadores que passaram por aqui e a forma vil como foram tratados por muitos dos nossos adeptos. Para nada. Esta esquizofrenia doentia em relação ao Vitória é estúpida. E não estou a falar na critica legítima, estou a falar no insulto!

Infelizmente, a calma e a reflexão é algo que escasseia em Guimarães. A paixão dos seus adeptos é tal que ou somos ou os maiores do mundo ou os piores de mundo. Parece um feitiço. E, se pararmos para pensar, certamente perceberemos que não seremos nem uma coisa nem outra. Ninguém o é, absolutamente.

Mesmo com as exibições descoloridas da nossa equipa procuro, pessoalmente, ser pragmático. Este é o meu clube, não tenho outro nem quero ter outro, e mais vale ter esperança no futuro do que me consumir na maledicência do presente. A instituição, a história centenária que tem, o que de muito bom estará certamente para vir, se não esta época noutra qualquer certamente, é, sem dúvida, para mim, o mais importante. E quando vejo a situação atual do histórico Vitória de Setúbal, ou a situação pela qual passamos há uns tempos atrás, arrepio-me com a possibilidade real de qualquer coisa correr mesmo muito mal, muito mais do que uma má exibição da equipa.

 

Assisto, incrédulo, desde o final do mês de setembro à inacreditável novela em que dois ex-dirigentes do Vitória reclamam do acionista maioritário da SAD a “bonita” soma de 2,7 milhões de €. Tento ver alguma lógica nisto tudo, alguma coisa que escape eventualmente, pela complexidade da questão, ao meu pobre raciocínio. Tento olhar ainda para a perspetiva sibilina dos reclamantes deixarem subentendido que o dinheiro que reclamam não é retirado ao Vitória, mas ao lucro do acionista. Mas nada. Não entendo, ou entendendo sinto-me profundamente envergonhado enquanto vitoriano e, mais ainda, enquanto votante daqueles que agora reclamam tão espúrio quinhão.

Haver um acordo parassocial deste tipo é uma vergonha para quem o assinou. Não ter tal acordo passado por uma assembleia geral da SAD é a prova da falta de integridade do ato. Pagar prémios a gestores é uma prática corrente em várias sociedades. Pagar prémios a dirigentes de SAD poderia até ser compreensível, mas neste caso não o é por mais imaginativos que sejamos. Os dirigentes do Vitória que estavam na SAD foram eleitos democraticamente enquanto dirigentes para cuidar do nosso clube, e não porque foram nomeados por pressurosos caça-talentos. Pelos estatutos, o presidente do clube é também o presidente da SAD. Não elegemos estes dirigentes por andarmos atrás de talentos concentrados em si mesmos, mas enquanto sócios que amam o clube e que o querem vencedor, e, sobretudo, digno. O que daqui decorre não me parece sério, nem transparente, para os sócios deste clube e – ainda pior- para os sócios que neles depositaram a sua confiança. Não é ético e não tem perdão. Sei agora, pelo menos, o preço da vergonha.

 

A loucura vitoriana leva a que muita boa gente, mesmo vitoriana, não se queira sujeitar a servir o seu clube, de forma séria e honrada, pois o mundo do futebol está podre e permite que nele reine impunemente o insulto e a ameaça. E o Vitória não é diferente, por isso há muitos genuínos vitorianos pensam 30 vezes antes de se comprometerem com o seu clube do coração e sujeitarem-se a qualquer vexame perpetrado por gente volúvel e enfurecida. Compreende-se, mas isso deixa, frequentemente, o clube vulnerável. E é importante, julgo eu, fazermos, como sócios, uma autocrítica a nós mesmos. Neste lamentável episódio e noutros. Por termos, apesar de toda a bazófia, deixado o clube nas mãos de acionistas que não conhecemos de lado nenhum. 

Assim, mal-grado alguma desilusão com a nova época, é importante relevar o que realmente importa. E neste momento mais, muito mais, do que a bola que não entra, é fundamental o clube recuperar a sua posição de maioria clara na SAD vitoriana que nos proteja de uma surpresa como a que tomamos, por estes tristes dias, conhecimento. E isso, ao que vou lendo, está a ser feito. 

Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Talvez, por vezes, devesse eu pensar mais na sua existência do que da lenda que delas se faz, em vez de me sentir envergonhado, como me sinto agora.

 


Imagem: Meryl Streep em Into the woods, filme de Rob Marshall (2014)

Publicado in Desportivo de Guimarães, no dia 24 de novembro de 2020

Comentários

Mensagens populares