Insónia


Há muita gente que se sente desarmada, e de certa forma complexada, face à tecnologia e aos instrumentos que a utilizam.
A forma desenvolta como os jovens manejam as novas tecnologias cava, ainda mais, essa sensação de desconforto. Há muita gente que, faltando-lhe a intuição e/ou a prática, é atirada para a sonolenta leitura de instruções e mais instruções, das quais, a maior parte das vezes, desistem. A barreira tecnológica existe e é real. Não é propriamente um “muro da vergonha” mas, muitas vezes, noto amigas e amigos meus um pouco cabisbaixos pela velocidade da inovação tecnológica que faz com que, quando finalmente aprendem a “dominar” o telemóvel, o computador ou o DVD, logo chega uma nova tecnologia, uma nova funcionalidade, um novo modelo, que relega para a idade da pedra o esforço feito, religiosamente, até aquele ponto. E o modelo perdura, não pela sua utilidade, mas pelo facto de, finalmente, ter sido domesticado.
Não me incluo neste lote de cidadãos, mas deles não desdenho, compreendo-os e compartilho das suas dificuldades noutras áreas. Espero deles, naturalmente, que tolerem a minha total inabilidade para a bricolage masculina, para o alicate, para a mobília do IKEA, e me ajudem. A vida deve ser assim: exigir completude e trabalho de equipa, por oposição ao sectarismo.
Agora uma coisa é a falta de jeito ou falta de paciência para as tecnologias, outra coisa é a burrice pura e dura que, aplicada a domínios tecnológicos básicos, pode tomar tornar a estupidez própria numa espantosa epopeia pessoal pelo ridículo.
Já é costume receber chamadas a horas inapropriadas, pois o meu número tem semelhanças numéricas com o de uma rádio local. Que me telefonem a pedir uma música do Emanuel, ou a saudarem a tia que faz anos é algo que, com galhardia, aceito esporadicamente. A dislexia numérica acontece a qualquer um …
Agora o que nunca me havia acontecido, como me aconteceu, é terem-me telefonado de um telemóvel para o meu telefone fixo às quatro horas e um quarto da manhã e chamarem-me Sr. Martins. Pior que isso foi o de repetir o gesto passados cinco minutos, situação que encarei com um enfado verbalizado de forma que, como compreenderão, não relatarei e, ainda pior do que isso, repetir no erro passado uma boa meia hora daquilo que suponho ter sido uma intensa, apesar de vazia, reflexão filosófica. Da terceira vez não lhe dei hipóteses de desligar. Por um forte imperativo de ordem social tentei explicar à criatura que a tecnologia digital permite ver o número que marcámos previamente (normalmente, bastará carregar numa das teclas do canto superior esquerdo) e que se a criatura continuasse a marcar o mesmo número poderia, na melhor das hipóteses, ser atendido pela minha mulher ou pelas minhas filhas. E foi dessa forma que assisti em directo às conferências de imprensa de Nicholas Sarkozy e do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, aquando do bravo e comovente resgate de Ingrid Bettencourt.
A estupidez é algo que se deve combater: deve ser uma prioridade nacional.
Mas mais importante (ainda) será combater quem nos quer tomar por estúpidos.
Não valerá a pena que Sócrates verbalize na Finlândia o modelo de país a seguir no plano tecnológico quando se fazem os exames de matemática do calibre daqueles que se fizeram. Nem vale a pena a pena que o ministro Pinho vá às compras, impante qual Gil Eanes a dobrar o cabo Bojador, para mostrar o suposto impacto da descida do IVA para 20%, quando as famílias continuam a sobreviver com extrema dificuldade. Nem é sequer inteligente persistir em perseguir quem trabalha, pois não tem o selo tal e tal, nem a salsicha fresca à temperatura exacta de 3,4 ºC. Tudo isso é estúpido e pretende que passemos por estúpidos.
Este país precisa apenas de bom-senso, de equilíbrio nos investimentos que se fazem no país e não nos putativos investimentos faraónicos que, algures, se farão. O país precisa de um rumo plausível, o que hoje não tem. Precisamos todos, a começar pelo Governo, e pelo amigo do Sr.Martins, de saber e querer dominar a tecnologia da nossa vida em comum, que deve começar e acabar no respeito pelo nosso concidadão. E isso era já um óptimo princípio…

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