Os intocáveis


Acompanhei com profundo interesse, desde há cerca de um ano, todo o processo eleitoral dos Estados Unidos (EUA); das primárias até agora à eleição de Barack Obama. O meu interesse advém não apenas do facto de gostar de política, mas sobretudo por apreciar os EUA. Não tenho uma visão cínica sobre a qualidade da sua Democracia, como a que os europeus, regra geral e de forma sobranceira, têm. Aprecio a sua juventude, a imprevisibilidade e o sentido de pátria comum àquela gente. Não me esqueço do impacto que me causou ouvir uma argentina radicada nos EUA dizer-me “nós, os americanos”. Quando para mim é-se português sempre, independentemente do país em que se vive. Mas os EUA são isso: não existem “americanos” no sentido em que nós europeus o entendemos, mas um conjunto de pessoas diversas que faz a América e que são a força e a essência dos EUA. Não têm o peso de uma História comum, são a História.
E se nunca embarquei na arrogância cultural europeia face aos americanos, foi porque sempre encontrei neles a capacidade de crítica que os europeus têm perdido (excepção feita aos ingleses) e que em Portugal é uma absoluta raridade. Não falo da crítica inócua mas da crítica frontal ao sistema político, judicial, económico, ou seja, a crítica ao poder.
Em Nova Iorque, há cerca dois anos fizeram-se debates à volta do 11 de Setembro em que se defendia que essa tragédia foi “montada” pela própria Administração Americana. Achei um absurdo tal teoria, mas apreciei a liberdade para o fazerem, em solo americano, no coração da tragédia. Aqui, como se vê, qualquer loucura de um deputado da Madeira ou um par de ovos atirados ao carro da Ministra da Educação gera escândalos mediáticos de proporções bíblicas. Este governo, com a generalidade da comunicação social como muleta, sente-se na obrigação de nos explicar quão mau é estar contra, quão feio é o direito à indignação. A resignação proverbial do nosso povo ao autoritarismo provém da demonização da crítica, do confronto, da indignação.
Acompanho com regularidade no cabo o Daily Show do Jon Stewart (SIC Radical ou CNN). É um programa de notícias fora do comum que, mesmo a brincar, é duma acutilância que o nosso jornalismo nem sequer ousa sonhar. Foi absolutamente arrasador nestas eleições americanas. Cá não durava um programa e aos primeiros 10 minutos o Eng. Sócrates já estaria a puxar as orelhas ao responsável pela estação.
Todos nós precisamos de um país com capacidade crítica, um país não manipulável pelo medo. Se ao nível nacional o condicionamento da informação é uma triste realidade, a um nível mais pequeno chega a ser absolutamente asfixiante. A capacidade crítica é fundamental, sem ela tornamo-nos profundamente tristes, resignados e estúpidos.

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