A situação




Uma notícia secundária no jornal i de hoje prendeu-me a atenção pois ele corrobora a situação de degradação moral e de inimputabilidade a que o país chegou. Nela se relatava que há duas semanas o cidadão Vítor Gaspar acompanhado da mulher, numa ida às compras ao supermercado, sem serem acompanhados por seguranças, foram insultados e cuspidos por “populares”. O episódio revela muito mais do que um ato de má criação. Revela que um ministro, com uma sólida reputação académica e inatacável percurso profissional, que não precisaria de ser governante para ter uma vida impoluta e tranquila, não pode aguentar tudo. Não me custa imaginar que mesmo que o ministro se visse investido numa missão que abraçou com sacrifício a mulher lhe tivesse dito que chega. Chega de sacrifícios pessoais, chega de humilhações.
A par disto o facto de um reputado e inteligente jornalista ter chamado “palhaço” ao mais alto dignitário da nação perante o alheamento da justiça e o frémito prazenteiro de muitos portugueses, completa o quadro. Aliás os agentes da justiça comportam-se em muitos casos como atores e não como árbitros (e não falo obviamente da decisão do Tribunal Constitucional cuja opinião aqui deixei). Relembro que é dada ordem de prisão a um indivíduo que protesta por um juiz “dar o golpe” numa caixa de multibanco, mas chamar “palhaço” não é ofensa. Sê-lo-ia para qualquer um de nós, mas para Cavaco Silva não pode ser porque quem é chamado a decidir não gosta do Presidente da República. Tão simples e irracional quanto isso.
Chegamos a uma situação socialmente insustentável. Em democracia o voto, o protesto civilizado, a greve, a opinião, são direitos inalienáveis que muitos portugueses – cultos ou incultos – têm exercido com responsabilidade, enquanto a notícia são aqueles que desbaratam esses mesmos direitos em manifestações de jacobinismo inaceitável, prontamente saudados no exercício de ódio coletivo em que as redes sociais se vêm transformando. Aliás a comunicação social perde mais tempo em ouvir o popular arranhado pelo polícia do que em pôr a nu o ódio irracional e a necessidade de protagonismo dos “populares”.

A inabilidade de Passos Coelho ou o oportunismo maquiavélico de Portas não ajudam agora, neste quadro, a encontrar um rumo. Apesar de eu ter a noção que as eleições antecipadas seriam uma solução, apesar de má e penalizadora do país, compreendo que o Primeiro Ministro defenda que não pode ser ele a provocá-las e  que é na Assembleia da República que a sustentabilidade do Governo deve, ou não, assentar. Agora o que duvido é que neste caso de euforia destruidora alguém, com juízo e retidão, se disponha a ser insultado, vilipendiado e  maltratado por gente com responsabilidade na opinião pública ou pela imensa massa de justiceiros inimputáveis que grassa nos fóruns e redes sociais, ou até nos supermercados.

É ver alguns inacreditáveis comentários dos “bravos” comentadores que peroram sobre a notícia do jornal i.

A queda no poço ainda vai a meio.


Foto: i

Comentários

Eu disse…
Eu sei que falar isto parece crime, mas quando era o Sócrates a ser cuspido estava tudo bem.
As manchetes do correio da manhã, por exemplo, eram autênticas escarradelas.
E muita gente aplaudia. Coitados. Ele merecia. Era ladrão, corrupto e vigarista. Só faltavam as provas, mas isso interessa para quê?
Rui Vítor Costa disse…
Viveremos certamente em planetas diferentes. Agradecia por isso que não alardeasse no meu, com base na paixão, a pobreza do seu raciocínio .

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