Que fazer com esta tristeza?
“Ou será que
rimos da natureza – incluindo a eternidade – por ela pensar que nos pode
derrotar a nós e à força da esperança? Ná, não, creio. Nunca nos derrotará.”
As aventuras de Augie March. Saul
Bellow. 1953.
A tristeza em doses moderadas pode ser, por vezes, uma extraordinária
força criativa. Em momentos de euforia coletiva a tristeza particular tem esse
poder. O ato de remar ao contrário do coletivo permitiu ao longo da história da
humanidade novas visões artísticas, políticas, poéticas ou estritamente
pessoais, que conseguiram abrir caminhos diferentes e perspetivas revigorantes.
Contudo hoje, em Portugal, a
tristeza alastrou como um cancro ao coletivo. Não a tristeza criativa de que
falava no primeiro parágrafo, mas uma tristeza paralisante e pesada, uma
tristeza feita de impotência, resignação e medo.
Os portugueses vendem há séculos a ideia de que são um povo triste.
Vendem-na através do fado, da sua extraordinária literatura, dos lutos
perpétuos e da poderosa palavra saudade que encerra e funde o amor e a
distância. Mas a verdade é que nunca o fomos. Gostamos que assim nos vejam, que
se apiedem da nossa velhice, mas a nossa alma é uma alma de romaria e festa que
tão diligentemente os nossos governantes cortaram em uns dias não fosse
parecermos demasiadamente alegres às almas luteranas que nos vigiam.
É um facto que como país
estamos melhor que há umas décadas atrás. Somos mais instruídos, globalmente
menos pobres, e a segurança social vai funcionando. No entanto penso que não
haverá nas últimas décadas uma conjugação tão diabólica de fatores –
desemprego, incapacidade, desilusão – como hoje. E isso está-nos a tornar
verdadeiramente tristes enquanto povo.
Como velha nação que somos não nos foi particularmente difícil perceber
os erros cometidos e aceitámos de forma voluntária e corajosa viver um pouco
pior para reparar excessos e desmazelos. No entanto a maior parte dos
indicadores diz-nos que o espartano esforço deixa antever pouca luz. Cumprimos
direitinho a receita que de fora nos impuseram para que houvesse dinheiro nos
cofres de um estado exaurido por anteriores excessos e loucuras criminosas, e
nada.
Se na nossa casa a desilusão
é muita, da Europa em que mergulhámos sem pestanejar só vemos experimentalismo,
descontrolo, pouca política, pouca ação e um conjunto patético de líderes
europeus. A sul vemos a desesperança, a norte a arrogância fanfarrona que nos
pode levar à cisão. E esperar pelas eleições alemãs em setembro como ponto de
viragem é tão patético como esperar por um messias à soleira da porta.
O atual modelo europeu pode
estar esgotado mas a Europa enquanto espaço de paz e democracia não o poderá
estar, sob a pena de se acordarem os velhos demónios que ciclicamente
infernizaram os povos europeus e lhes causaram ignomínia e dor.
Caminhamos em direção ao quê? Olhamos para o lado e vemos jovens a
emigrar, vemos pessoas válidas no desemprego sem qualquer esperança de voltar
ao mercado de trabalho, vemos o comércio a olhar para a rua na esperança de
encontrar alguém, vemos os empresários a consumir o seu tempo em sobreviver, vemos
os estudantes questionando o seu próprio esforço, vemos os professores
atarefados com o concreto ano letivo sem quererem pensar no incerteza do
seguinte.
De um modo geral a Europa
encontra-se desorientada face ao facto de contarmos cada vez menos no panorama
global. Em vez de encontrarmos uma estratégia comum distribuem-se à vez punições
sem critério e sem sentido...
A Europa não pode ser o problema: tem de ser a solução. E para isso
acontecer precisamos daquilo que temos a tendência de rejeitar: a política! Uma
política, não necessariamente partidária,
em que todos nos envolvamos mais, em que sejamos mais criteriosos e exigentes
do que até aqui. Uma política que consiga a simplicidade complexa do governo
sonhado por Lincoln: “o governo do povo, pelo povo e para o povo”. E nós, os
portugueses, temos hoje a superioridade moral para o exigir.
Publicado in Comércio de Guimarães
Fotos de Alexandre Coelho Lima
Comentários