O fim do romance

Foi num livro de capa vermelha, numa encadernação de mau gosto, que eu descobri Dostoievski. Os irmãos Karamazov. Todo o peso daquela estória abriu-me, cedo, o gosto pelo romance. Ainda hoje conservo o livro mas, à partida, não conservo a mesma paixão em descobrir personagens, estórias, pensamentos cruzados, factos, narrativas. Deve ser do tempo fácil que vivemos. Um tempo de aspas, sem grandes reflexões nem convicções, um tempo de twitter, de coisas sem interesse, fúteis e curtas. Ainda me apaixonei por Mishima, por Yourcenar; recentemente pela tristeza literária de Philip Roth, pela modernidade sensível de Ian McEwan. Mas sempre que encaro um romance para ler, que continuo a comprar como se não estivesse contagiado pelo fastio universal do tempo, faço-o mais por vício do que por convicção. E gosto quase sempre.

Nestas férias em que conheci Shirin Ebadi volto a José Luís Peixoto, desta vez ao Cemitério de Pianos que estava a marinar há mais de um ano, e reparo que o não romance de Peixoto cativa pela poesia dos pormenores. Pelas mãos vincadas de vermelho por uma saca plástica, pelos fios de luz que saem dos estores mal fechados. Pela poesia disfarçada de romance, só para me arreliar.

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