O TGV no país do bota-abaixo


Por Miguel Gaspar. Hoje no Público.

A entrevista de José Sócrates, ontem, à RTP1, foi a enésima reiteração de um mal que há anos corrói a democracia portuguesa, com a cumplicidade, sublinhe--se, dos jornalistas. E esse mal é a ideia de que o anúncio de uma nova medida substitui um discurso político consistente. Depois de terminada a entrevista, os holofotes focaram-se na "novidade", a mudança no subsídio social do desemprego (é assim que se diz?), que afectará 15 mil pessoas. Desculpem-me que vos diga, mas enfrentamos uma recessão da qual não sabemos como vamos sair, está a começar a campanha para as europeias (mas de Durão Barroso nem se falou), a "cooperação" entre Belém e São Bento, "estratégica" ou "institucional" (não são a mesma coisa), está pelas ruas da amargura, existe o caso Freeport, com todas as suas implicações políticas (sobre as outras espero, com paciência, como toda a gente, que a justiça me informe). E tudo o que ganhámos foi um subsídio social de desemprego.
Numa entrevista onde José Sócrates não teve qualquer obstáculo para dizer o que queria dizer, passámos o tempo a discutir minudências sobre quilómetros de auto-estrada, planos estratégicos contra a crise que já toda a gente conhece e, para não faltar nada, lá se falou outra vez no radioso TGV. E o país do bota-abaixo que se cale!
Mas o país que está a acontecer não passou certamente por ali e entender que a "sensação" de uma nova medida esconde isso deixa no ar uma estranha sensação de incomodidade.
(...)
Vivemos tempos políticos difíceis em que as exigências políticas mudaram. As crises não se enfrentam com os sorrisos de circunstância de um líder mais interessado em elogiar-se e em dizer que não tem culpa da crise. Sócrates não compreendeu que os tempos mudaram e que o seu discurso está desfocado da realidade.

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