Fina água
José Eduardo Agualusa é um óptimo escritor e um homem de causas.
O artigo que escreveu ontem no i sobre José Eduardo dos Santos e a pouca vergonha que lhe resta é um artigo de coragem. A capacidade demolidora do artigo advém-lhe da limpidez e crueza.
“(…) Devíamos, talvez, começar por aqui. O único motivo que poderia levar José Eduardo dos Santos a sujeitar-se ao escrutínio popular, e a todas as coisas mesquinhas e desagradáveis que, para alguém como ele, tal processo implica, incluindo discursos em comícios, banhos de multidão e entrevistas, seria conseguir o respeito da comunidade internacional. José Eduardo dos Santos está um pouco na situação do escritor brasileiro Paulo Coelho, o qual depois de conquistar milhões de leitores, depois de enriquecer, ambiciona agora ser levado a sério como escritor. Quer o respeito dos críticos.
A diferença é que José Eduardo dos Santos, não tendo o respeito da comunidade internacional, começa a beneficiar do temor desta - o que para um político pode ser algo bastante semelhante (…)”
Comentários
Mas só quem cá está, e como eu há 3 anos e meio, é que consegue perceber que as coisas neste país não são preto e branco, há muitas nuances de cinza pelo meio.
Desde logo não podemos pedir a uma cultura tradicional angolana que se rege por "sobas" e "mais velhos" que seja democrática no nosso sentido ocidental do termo. Não será nunca, é escusado pensar que isso é possível. É evidente que é possível e necessário incrementar novas praticas mais abertas e transparentes e mais modernas, mas isso demora tempo e a "nova" sociedade angolana ainda está no principio dos anos 80 numa comparação "tosca" com o que se passou em Portugal a seguir à revolução de Abril. Não se pode esquecer que Angola parou 25 anos no tempo devido à estúpida (porque todas são estúpidas) guerra civil e só em 2002 "recomeçou" o novo caminho. Ora 7 ou 8 anos depois da revolução como estava Portugal, em 81 ou 82? Como eram os portugueses? Não havia ainda partidos e pessoas que queriam acabar com a democracia? Não havia um culto da ostentação em Mercedes e não começou aí a compra desenfreada de casas? Não havia um enorme desemprego e desalfabetização, poucos quadros? Se atendermos a isto e se vivermos cá, percebemos que um estado transparente e democrático não se constrói de um dia para o outro e terá de remover muitos obstáculos, muitos anos, para chegar lá - sem nunca chegar a ser uma democracia ocidental!
No entanto, deixa-me dizer-te, o "temor reverencial" não existe só em Angola. Existe cá e nunca foi tão forte como agora, como sabes.
Recordo os anos 80 com saudade. Não pela "balbúrdia" mas pela Liberdade. As pessoas, mal ou bem, tinham opinião e diziam-na. Hoje Portugal com o peso asfixiante do Estado deixa muito pouca gente com direito a opinião. A máquina do estado serve para colocar boys e tirar de lá quem não alinha. E isso é tão lamentável e tão grave para a Democracia como os desmandos angolanos que Agualusa, tão bem, denunciou.