Vá lá a gente saber porquê


“(…) existe outra expressão frequente que é igualmente impenetrável por cérebros não-indígenas. Por exemplo, a frase «Vá lá a gente saber porquê!». Um estrangeiro interpreta-a como significando «Vamos todos àquele sítio para podermos averiguar as causas do sucedido», quando, na verdade, significa incompreensivelmente que não vale a pena ir a seja onde for, porque não há maneira de saber seja o que for. Eles lá sabem porquê…”
Cardoso, Miguel E. (1995). A causa das coisas. 14ª Edição, Assírio & Alvim. Lisboa.


No início deste mês o jornal Público levantou uma série de questões sobre a vida profissional do primeiro-ministro, enquanto engenheiro técnico da Câmara da Covilhã nos anos 80 e inícios dos anos 90.
A primeira notícia dava conta da assinatura do Eng. Sócrates nos projectos de vários edifícios, cuja autoria era desconhecida pela generalidade dos proprietários. Um deles chegou mesmo a afirmar que havia pago a outro engenheiro e acrescenta “(…) ao Sócrates só conheço da televisão”. Todos estes projectos não têm rosto, ou melhor, contam com a assinatura do actual primeiro-ministro e com o rosto, ao que se lê na notícia, de um engenheiro que não poderia assinar esses projectos, pois fazia parte dos quadros técnicos da Câmara da Guarda. Abílio Curto, ex-presidente da Câmara da Guarda, corroborou também esta prática em declarações a uma rádio local.
Perante as respostas do primeiro-ministro, em que ele assume todas as obras por ele assinadas, o jornal traz, no dia seguinte, a notícia de que o Eng. Sócrates recebeu um subsídio de exclusividade enquanto assinava vários projectos e se encontrava ligado a uma empresa privada. O primeiro-ministro, apesar de não responder em concreto às questões, nega o facto de ter recebido dinheiro por essa prática e ataca o jornal de uma forma violenta.
Paralelamente a isto muitos daqueles que se atiraram à “casa de banho de Cavaco” vieram passar a imagem de que as notícias só surgiriam como retaliação da SONAE pela falhada OPA à PT. E o país “esqueceu”. As notícias ganharam requintes tais que a RTP, na introdução à notícia, classifica-a de “ofensiva do Público contra Sócrates”. Reinou após isso um incómodo silêncio.
Passámos muito do nosso tempo a olhar, com complexos, para os exemplos do estrangeiro. Como no caso da ministra sueca que caiu no erro de comprar chocolates e fraldas para bebé com o cartão de crédito pessoal do ministério: não só teve de demitir-se, como teve de abandonar o seu lugar no parlamento, apesar de ter alegado que a sua intenção era a de devolver o dinheiro após as compras. E se isso acontecesse cá? Não iria isso passar também como um ataque pessoal?
Os factos relatados na notícia do Público e que envolvem o primeiro-ministro são graves e as respostas dadas foram frágeis. Independentemente desta lamentável prática dos “testas-de-ferro” ser ou não criminalizada, atesta a probidade, ou falta dela, daqueles que a praticam.
Que pouca gente consiga ver para além da campanha de vitimização montada é a nossa sina.
Portugal é um dos países que menos confia na classe política e, paradoxalmente, o que menos lhe exige rectidão.
in Comércio de Guimarães 27.02.08
fotos Rui Gaudêncio (Público)

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